Gazeta da Torre
A crescente tendência de “fuga de cérebros” entre
profissionais brasileiros qualificados ganha destaque em uma nova pesquisa
desenvolvida no programa de pós-graduação em Administração da Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba. A dissertação,
que considera dados de 2015 a 2020, examina os motivos por trás dessa migração
e os desafios enfrentados pelos brasileiros mundo afora, como a inserção em
trabalhos não qualificados, a chamada “realidade de braços”. Ao contrário da
atenção limitada que o tema recebeu até agora nas universidades, este estudo
busca entender a fuga de cérebros a partir de uma abordagem qualitativa, dando
voz aos emigrantes e explorando suas motivações, experiências e desafios.
De autoria do economista Guilherme de Souza Campos
Portugal Santos, a pesquisa contextualiza o fenômeno em meio a um período de
instabilidade política e econômica no Brasil, no qual políticas e programas de
incentivo à formação universitária e em ciência e tecnologia foram
descontinuados.
Com base em entrevistas semiestruturadas e na técnica da
“análise de conteúdo”, o pesquisador conversou com brasileiros que estão
morando atualmente em países como França, Alemanha, Estados Unidos, Irlanda do
Norte, Reino Unido, Portugal, Hungria, África do Sul, Emirados Árabes, Bélgica
e Austrália.
Padrão de vida
De acordo com a pesquisa da Esalq, a plataforma online
Diáspora Científica do Brasil realizou um levantamento de dados contabilizando
1.487 cientistas brasileiros desenvolvendo pesquisa em mais de quarenta países,
sendo EUA, Canadá, Alemanha e Reino Unido os mais expressivos na contagem. Já o
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), uma Organização Social
supervisionada pelo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações (MCTI),
estimou em 2023 que 6,7 mil cientistas deixaram o Brasil nos últimos anos.
Os resultados do estudo revelam que a principal motivação
para a emigração é o desejo de alcançar um melhor padrão de vida, caracterizado
pelo maior poder de compra da remuneração no exterior e pelo equilíbrio entre
trabalho e tempo livre. Isso proporciona aos emigrantes uma sensação de
segurança financeira, física e psicológica nos países de destino. No entanto,
os desafios não são negligenciados. A intolerância, a xenofobia e as
dificuldades de adaptação cultural surgem como obstáculos significativos para
os emigrantes. Além disso, muitos entrevistados destacam a superioridade do
Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro em comparação com o acesso à saúde nos
países estrangeiros.
Segundo o autor da pesquisa, na perspectiva dos
profissionais entrevistados, encontram-se categorias que corroboram com a
predominância dos estudos sobre o tema, como ganhos socioeconômicos e um
aumento nos níveis de renda, chamada aqui de “realidade de cérebros”. Também
encontra-se outros aspectos, que fogem do mais usual dentro da teoria do brain
drain e da decisão de imigração, revelando uma sensação de maior respeito à
“dignidade” mesmo em experiências profissionais não qualificadas nos países de
destino quando comparadas às experiências profissionais qualificadas vividas no
Brasil, chamada aqui de “realidade de braços”.
Braços X cérebros
“Ou seja, há uma parcela de ‘cérebros’ que se submete à
categoria de ‘braços’ em sua nova jornada profissional, como apresentado por
43,5% dos entrevistados”, complementa Santos. É o caso de uma das entrevistadas
(os nomes são preservados) que, apesar do seu mestrado em Literatura, atuava na
época da entrevista trabalhando como repositora de supermercado na Irlanda do
Norte. Segundo ela, sua nova vida lhe dava a chance de equilibrar seu tempo e
preservar a saúde. “Posso resumir [sair do Brasil] em uma expressão só, ‘falta
de perspectivas’. E com toda essa falta de perspectiva começou a adoecer
fisicamente e mentalmente… O que fez a gente se mover”.
“Essa realidade aponta para um panorama complexo, pois é
visível uma capacidade produtiva e intelectual ímpar subutilizada na sociedade
brasileira, levando à desistência de sonhos, talentos e carreiras, traduzido
por um ‘brain waste’, ou seja, um desperdício de talentos”, reforça o
pesquisador. A falta de perspectiva, aliás, é destacada na fala da maioria dos
entrevistados como razão maior da fuga para o exterior.
Uma das entrevistadas é uma cientista que, na época que
conversou com o pesquisador, já estava na Holanda há um ano e meio. Ela conta
que o que a motivou a sair do Brasil foi a falta de perspectiva. “O que me
motivou foi que quando eu comecei o doutorado, em 2017, houve muitos cortes, e
vi a decadência da pesquisa, a indústria também não é como no exterior, e eu
queria desenvolver algo novo, e comecei a ver falta de possibilidade de
liberdade de pensamento para desenvolver alguma coisa nova”.
Para o autor da pesquisa, essas descobertas fornecem
insights valiosos sobre um fenômeno complexo e multifacetado. “Compreender as
motivações e os desafios dos emigrantes qualificados brasileiros é fundamental
para formar políticas públicas e estratégias de retenção de talentos”, afirma.
Durante a realização do estudo, o autor recebeu bolsa da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O estudo contou com
orientação da professora Eliana Terci, do departamento de Economia, Administração
e Sociologia da Esalq.
*Caio
Albuquerque, da Divisão de Comunicação da Esalq, adaptado por Júlio Bernardes
Fonte: Jornal da USP
- divulgação -
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