Brincar na chuva
Era só ouvir o barulho de chuva e saímos de casa para
brincar debaixo dela. Não tínhamos medo de ficarmos molhados. O momento era
único. Único para se divertir. Pulávamos nas poças formadas pela água e
brincávamos de guerrinhas. Corríamos debaixo das trovadas que iluminavam a face
repleta de sorrisos. Os adultos da varanda gritavam: "saiam da chuva ou
vão ficar gripados!". Quem ligava para possibilidade de ficar doente
enquanto o tempo pedia para sermos felizes? A alegria era tanta que não pensávamos
no que poderia vim depois. Vivíamos o agora, aproveitando cada gota como se não
houvesse uma chuva amanhã.
Toda vez que vejo chuva, lembro da minha infância. Lembro
que não havia hora pra parar a brincadeira. Toda hora era hora de brincar.
Minha mãe vivia dizendo: "vão brincar enquanto vocês ainda são
crianças". Ela insistia e repetia, mas só vim entender a importância dessa
frase quando cresci.
Crescer, por vezes, nos forçam a retirarmos o véu
colorido da inocência e a encararmos as responsabilidades cinzentas da
maturidade. No mundo dos adultos a chuva é vista como sinal de atraso. As
pessoas ficam confusas. O trânsito torna-se bagunçado. Os planos para se
divertir no dia, a maioria, são cancelados. Uma vez, comentei com uma colega de
trabalho que adoraria que a chuva caísse, pois o tempo estava insuportavelmente
abafado. No bar, ao lado da empresa que trabalhava, havia uma roda de samba.
Ela olhou assustada para mim dizendo: "você está desejando acabar com a
alegria daquelas pessoas?". Respondi com os ombros me perguntando em
pensamentos que mal haveria em chover e como isso poderia acabar com a alegria
dos "adultos". Naquele dia, não choveu e a cidade ficou sem chuva nas
outras semanas...
Talvez, eu tenha desejado a chuva naquele dia por motivos
egoístas, por interligá-la a uma época tão distante e inalcançável do meu
agora... Desejei chegar, naquele dia, em casa e dormir com o barulho acolhedor
da água batendo na janela. Desejei e fui atendida. Hoje, choveu. A chuva não só
trouxe o frescor para o ar que respiro como também me embriagou de lembranças
saudosas da infância em que a única responsabilidade que eu tinha era a de
brincar debaixo da chuva sem pensar na possibilidade de ficar doente no outro
dia.
Por Michele Nakashima - Crônicas e Contos
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