Gazeta da Torre
Venda de roupas – e outros produtos – usadas ganha força
como alternativa sustentável e movimenta a economia circular
O mercado de brechós no Brasil vive um crescimento que
vai além da economia. As feiras e lojas de produtos de segunda mão se
consolidam como parte de um estilo de vida baseado no consumo consciente, na
valorização da identidade e no respeito ao meio ambiente. Em um cenário em que
o fast fashion, que é um modelo de produção e consumo baseado em roupas de
baixo custo, produzidas em larga escala e com ciclos de moda cada vez mais
rápidos, continua a gerar impactos socioambientais relevantes, esse movimento
nos brechós se apresenta como uma alternativa de resistência e de transformação
cultural.
O avanço desse mercado acompanha uma tendência global de
repensar hábitos de consumo. Dados da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) e do escritório para o Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas
(ONU) indicam que a indústria da moda é responsável por cerca de 10% das emissões
de carbono do planeta e por 20% do desperdício de água mundial. Frente a esse
cenário, iniciativas como os brechós ganham relevância não apenas pelo impacto
ambiental reduzido, mas também por fortalecerem comunidades e promover novas
formas de consumo mais conscientes.
Para a professora Francisca Dantas Mendes, da Escola de
Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP em São Paulo, os brechós cumprem um
papel essencial dentro da moda sustentável, “embora a importância deles já
venha de longa data no prolongamento da vida útil dos produtos pós-consumo e
até na possibilidade de os consumidores encontrarem peças antigas de acervos de
pessoas que acabam vendendo para os brechós, disponibilizando produtos de moda
e de alta importância”.
A docente pondera, no entanto, que sozinhos eles não são
capazes de frear os efeitos da indústria da moda rápida. “Não podemos dizer que
o brechó vai resolver o problema da lógica do fast fashion, reduzir esse
impacto do processo produtivo acelerado pelo sistema de produção de uma moda
rápida, de baixo preço.”
Ainda assim, o setor ganhou credibilidade e atrai novos
perfis de consumidores. “Eu acho que o brechó já ganhou uma credibilidade como
mercado de segunda mão, então nós temos aí um grupo de novos consumidores mais
preocupado com as questões ambientais que vem nessa nova proposta, prolongando
a vida útil de determinados produtos de alta qualidade e reduzindo o consumo
exacerbado por produtos que não têm tanta qualidade quanto um produto que você
pode encontrar num bom brechó”, analisa a professora.
Essa percepção também aparece no cotidiano de quem
empreende no ramo. Ana Carolina Patton, dona do Solarium Brechó e Ateliê, em
Ribeirão Preto, observa que a forma como o público enxerga essas lojas vem mudando.
“Nos últimos anos, os clientes pararam de enxergar o brechó como um lugar de
peça barata e passou a valorizar mais como um espaço de identidade, estilo,
peças únicas, exclusivas.”
Segundo ela, há diferenças entre gerações. “Os jovens
costumam procurar os brechós mais por estilo, autenticidade, eles têm uma
consciência ambiental também, como uma forma de expressão, principalmente. Já o
público mais velho busca muitas vezes peças mais acessíveis, qualidade e aquela
nostalgia das peças que se usavam antigamente.”
Além de atender a diferentes perfis de consumidores, os
brechós também movimentam a economia local. “Eu acho que os brechós movimentam
a economia circular, gerando uma renda para quem vem vender a peça para a
gente, né? Que precisa fazer um dinheirinho. Cria empregos locais e fortalece
pequenos negócios. Além disso, torna a moda mais acessível, mais democrática”,
explica Ana Carolina.
Os relatos de clientes mostram a força desse vínculo
simbólico. “Existem várias histórias. São histórias de clientes que vêm até a
gente, encontram roupas idênticas às que usavam na juventude ou peças que
pertenceram a mães e avós. E isso desperta a memória no cliente, alguns ficam
emocionados de ver uma bolsa vintage. É muito bonito de se ver”, relata a
empreendedora.
Francisca reforça que esse valor histórico está entre os
diferenciais do setor. “Quando as peças vão para um brechó de qualidade, elas
têm uma identidade que é a da própria marca. Então você pode encontrar ali
peças históricas de dez, 15, 20 anos atrás, sabendo fazer uma boa garimpagem,
conhecendo história da moda você percebe que tem uma peça que tem uma história
para contar e que vai respeitar a história da moda e até ajudar a ter um
estilo, uma identidade diferenciada para essa pessoa que sabe reconhecer e
respeitar uma peça de segunda mão de alta qualidade.”
A discussão sobre brechós também se conecta ao debate
mais amplo da moda sustentável. “Falar de moda sustentável é falar de muito
mais do que brechó. Moda sustentável significa olhar para esse produto
respeitando os três pilares: economia, sociedade e meio ambiente”, afirma a
professora. “Resíduo é um erro de design. A gente não pode gerar resíduo num
processo de design e muito menos num processo produtivo. E, por último, esse
produto tem que ter um retorno para quem produziu. Quem produziu tem que estar
pensando no pós-consumo. Como é que isso vai retornar para um processo de
economia circular ou de remanufatura? Aí sim nós estaríamos falando em moda
sustentável.”
Na visão de Ana Carolina, esse caminho já está em
andamento. “O crescimento é visível. As pessoas estão cada vez mais abertas a
comprar em brechó e esse estigma de usado está diminuindo muito. Hoje quem usa,
quem consome peças de brechó, é até visto como uma pessoa que tem estilo, que tem
propósito no que usa.”
Fonte: Jornal
da USP
*DICA: Brechó
da Torre - Rua Benjamin Constant, 119, Torre, Recife.
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