quinta-feira, 24 de julho de 2014

Ariano Suassuna - As luzes se apagam. Permanece a memória


O escritor paraibano Ariano Suassuna morreu às 17h28m no dia 23 de Julho/2014, aos 87 anos, vítima de uma parada cardíaca. Defensor da cultura popular brasileira, era um dos maiores dramaturgos do país, além de autor de romances e poemas.

Nascido em 16 de junho de 1927 em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa, capital da Paraíba, Ariano Vilar Suassuna era filho de João Suassuna, então governador de seu estado natal. Com o fim do mandato, um ano depois, toda a família se mudou para o interior.

O velho contador de histórias do sertão tinha apenas 3 anos quando um fato trágico marcou sua infância. No desenrolar da Revolução de 1930, um pistoleiro de aluguel assassinou seu pai com um tiro pelas costas, numa rua do Rio de Janeiro.

O assassinato foi motivado por boatos que apontavam o patriarca da família Suassuna como mandante da morte de João Pessoa, seu sucessor no governo, fato que serviu de estopim para a revolução. Um ambiente assim, com dívidas de sangue e rivalidade entre famílias, cobrava dos órfãos a vingança. Mas, um dia antes de ser assassinado, João Suassuna deixou uma carta aos nove filhos pedindo que eles não se tornassem assassinos por sua causa.

Ariano Suassuna obedeceu. Em vez disso, dizia estar perto de perdoar os criminosos que mataram seu pai. A mãe e viúva também ajudou, ao dizer que o pistoleiro responsável pelo crime já havia morrido (era mentira). Com a tragédia, a família mudou-se para a pequena cidade de Taperoá, no interior da Paraíba. E Ariano herdou a biblioteca do pai, onde encontrou livros importantes para sua formação. Um dos mais importantes, sem dúvida, foi “Os sertões”, de Euclides da Cunha. A obra lhe apresentou um dos personagens que mais marcaram sua vida: Antônio Conselheiro, profeta e líder de Canudos.


Em 1942, Suassuna foi para Recife concluir o ensino básico. Anos depois, na faculdade de Direito, ajudou a fundar o Teatro do Estudante de Pernambuco. Em 1947, encenou sua primeira peça: “Uma mulher vestida de sol”. Nove anos depois, levaria aos palcos seu texto mais conhecido, “Auto da Compadecida”, que ganharia adaptações na TV e no cinema.

Por causa do teatro, deixou o Direito de lado seis anos após ter se formado. O romance surgiu mais tarde em sua vida. Em 1971, Ariano Suassuna lançou seu “Romance d’a pedra do reino e o príncipe do sangue vai-e-volta”, com nome comprido como seus cordéis tão adorados e pensado para ser uma trilogia. Com o livro, o escritor avança em relação à literatura regionalista dos anos 1930, representada por João Guimarães Rosa e José Lins do Rego. Mais tarde, Ariano Suassuna diria que “A pedra do reino” era, de certa forma, uma tentativa de trazer seu pai de volta à vida.


Havia quem acusasse o escritor de lutar contra moinhos de vento: o escritor se apresentava como um defensor da cultura popular brasileira, contra a invasão da indústria cultural norte-americana. Falava mal de Madonna e Michael Jackson. Não à toa, quando foi secretário de Cultura do governo Miguel Arraes, nos anos 1990, tornou-se um ferrenho opositor do maracatu eletrônico e do manguebeat. Ele se recusava, por exemplo, a chamar Chico Science, o vocalista da Nação Zumbi, pelo nome artístico. Dizia “Chico Ciência”.

 A defesa da cultura nacional, que muitas vezes lhe rendeu o rótulo de xenófobo, já vinha no sangue e no nome da família. Na onda nacionalista depois da Independência, em 1822, vários brasileiros adotaram nomes indígenas. Seu bisavô Raimundo Sales Cavalcanti de Albuquerque escolheu Suassuna, de origem tupi, e nome de um riacho da região onde a família vivia. Nos anos 1970, fazendo jus ao nacionalismo da linhagem, Ariano fundou o Movimento Armorial, que defendia a criação de uma cultura erudita com bases na cultura popular — e toda a sua obra orbita em torno desse ideal. 

Em 1989, o sertanejo foi eleito para a cadeira de número 32 da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono era Araújo Porto-Alegre. Sexto ocupante da cadeira, Suassuna nunca foi um imortal de frequentar os eventos da instituição. Era uma espécie de filho pródigo da ABL.

Para além de sua obra, o escritor paraibano ficou famoso também por dar aulas em que dissecava a cultura brasileira, as suas origens ibéricas, a tradição dos violeiros, dos cantadores, das rabecas, dos cordéis. Eram aulas-espetáculo. E a última foi na sexta-feira passada, no 24º Festival de Inverno de Garanhuns, a 230 quilômetros de Recife. O Teatro Luiz Souto Dourado ficou lotado, como sempre acontecia nesses eventos. Um dos motivos de tanto sucesso era o bom humor do escritor, uma de suas marcas. Não que tenha sido sempre assim. Suassuna atribuía o aparecimento do humor em sua vida ao encontro com Zélia, sua mulher há mais de 50 anos. Para Suassuna, ela havia “desatado alguma coisa” dentro dele. “O riso a cavalo e o galope do sonho são as duas armas de que disponho para enfrentar a dura tarefa de viver”, escreveu em “A pedra do reino”.

Em 2007, ele assumiu a secretaria de Cultura de Pernambuco a convite do governador Eduardo Campos, e chegou a ocupar outros cargos até deixar o governo recentemente, em abril de 2014.


O ano de 2007 também foi marcado pela celebração dos 80 anos do escritor em todo o Brasil. As homenagens o levaram a viajar de Norte a Sul do país. Uma epopeia para um homem que, além de apreciar o sossego, detestava avião. Mesmo assim, o apaixonado e muitas vezes polêmico defensor da cultura popular brasileira seguia adiante. Mas brincava: se soubesse que chegar aos 80 anos daria tanto trabalho, teria ficado nos 79.

Não troco meu "OXENTE" pelo "OK" de ninguém. (Mestre Ariano Suassuna)

Fonte: O GLOBO




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