quarta-feira, 11 de agosto de 2021

IPCC: se nada for feito, colapso climático é iminente

 Gazeta da Torre

Chuvas fortes no mês de agosto no Recife

As mudanças climáticas são reais, causadas pelo homem, estão se intensificando numa velocidade espantosa, sem precedentes nos últimos 2 mil anos (pelo menos) e com consequências potencialmente gravíssimas para os seres humanos e o planeta, incluindo a intensificação de tempestades, secas e ondas de calor extremo. Muitas dessas consequências — como o derretimento de geleiras e o aumento do nível do mar — são irreversíveis, até mesmo numa escala de milhares de anos; mas ainda há tempo de evitar uma calamidade climática global, desde que a espécie humana reduza imediatamente, e de forma bastante significativa, suas emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera. Sem isso, é “extremamente provável” (95% a 100% de probabilidade) que o aquecimento global ultrapasse a perigosa marca de 2 graus Celsius até o final deste século, com grandes chances de chegar a 1,5°C já nos próximos 20 anos, caso as emissões de carbono permanecerem no nível atual. Num cenário mais pessimista de aumento de emissões, o aquecimento poderia ultrapassar 4°C antes de 2100.

Essas são algumas das mensagens trazidas pelo Sexto Relatório de Análise (AR6, em inglês) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), cuja primeira parte foi divulgada nesta segunda-feira, em Genebra. É um documento de milhares de páginas, com 234 autores principais (mais 517 colaboradores), oriundos de 66 países (sete deles do Brasil), que destrincha textualmente e graficamente todo o conhecimento científico disponível no mundo sobre as mudanças climáticas globais — uma verdadeira enciclopédia científica, com peso mais do que suficiente para esmagar qualquer resquício de negacionismo que ainda circule por aí.

“É inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra. Ocorreram mudanças rápidas e generalizadas na atmosfera, no oceano, na criosfera e na biosfera”, diz a primeira mensagem do Sumário para Tomadores de Decisão (Summary for Policy Makers), um resumo executivo dos resultados, que acompanha o relatório. “A mudança climática induzida pelo homem já está afetando muitos extremos climáticos e meteorológicos em todas as regiões do globo”, conclui outro trecho do documento.

Trocando em miúdos, o que está sendo dito é que a culpa pelo aquecimento global é do ser humano, sim, e que não há nenhuma dúvida pendente com relação a isso. Tecnicamente falando, isso não é uma novidade — há muitos anos já existe um consenso científico muito bem estabelecido de que atividades humanas estão superaquecendo o planeta, e que essa elevação de temperatura é responsável pelas mudanças climáticas, cada vez mais intensas, que temos vivenciado nas últimas décadas. Ainda assim, o uso do termo “inequívoco” agrega uma camada adicional de certeza e contundência ao fato. Comparativamente, o relatório anterior (AR5), divulgado em 2013, dizia ser “extremamente provável que a influência humana seja a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século 20”.

Não se trata de uma opinião, mas de uma constatação científica. Mais de 14 mil estudos foram analisados na elaboração do novo relatório, e as evidências não deixam dúvidas nem sobre o papel do homem nem sobre a gravidade do problema. O que muda nesse novo documento, em relação ao anterior é, principalmente, o grau de refinamento das análises sobre o que está acontecendo e das projeções sobre o que pode vir a acontecer no futuro, com base nos novos conhecimentos acumulados ao longo desses últimos oito anos. Essa primeira parte do relatório não propõe soluções nem avalia a efetividade de políticas públicas; apenas apresenta as evidências científicas necessárias para embasar a tomada de decisões sobre o enfrentamento da crise climática.

A coletiva de imprensa do IPCC para a divulgação do relatório foi acompanhada ao vivo por mais de sete mil pessoas. A diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e secretária-geral adjunta das Nações Unidas, Inger Andersen, abriu sua fala ressaltando que as mudanças climáticas são um problema do presente, não do futuro, e que “ninguém está seguro”. “Precisamos encarar as mudanças climáticas como uma ameaça imediata”, destacou ela. “É hora de sermos sérios, porque cada tonelada de CO2 emitida agrava o aquecimento global.”

“É hora de agir, imediatamente”, reforçou o físico brasileiro Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), em um seminário online realizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sobre o relatório. Sem uma reação imediata de todos os países, no sentido de reduzir significativamente suas emissões de gases de efeito estufa, segundo ele, a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C pode se tornar “impossível”. As emissões globais de dióxido de carbono, por exemplo, teriam de ser reduzidas cerca de 7% ao ano até 2050. “A receita está dada”, pontuou Artaxo. “O IPCC já colocou claramente o que precisa ser feito.”

Limite à vista

Uma mudança que chama a atenção no novo relatório é o recálculo da quantidade de carbono já emitida pelo homem e o encurtamento da janela de tempo dentro da qual os pesquisadores estimam que o aquecimento global ultrapassará a marca de 1,5°C acima da temperatura “normal” da era pré-industrial.

Segundo os cientistas, os seres humanos lançaram à atmosfera 2.390 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) entre 1850 e 2019, sendo que a maior parte dessas emissões (entre 80% e 90%) foi gerada pela queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão mineral). Para limitar o aquecimento global a 1,5 °C, esse total não poderia ultrapassar a marca de 2.900 bilhões de toneladas; o que nos deixa um “saldo remanescente” de 400 a 500 bilhões de toneladas de CO2 para serem emitidas nas próximas décadas. No ritmo atual de 40 bilhões de toneladas emitidas por ano, esse limite seria ultrapassado já por volta de 2040, segundo o relatório. A estimativa anterior, publicada em um relatório especial sobre o tema de 2018, era de que essa marca seria superada entre 2030 e 2050.

Ou seja, temos menos tempo ainda do que imaginávamos para reduzir emissões e frear o avanço do aquecimento global. Um aumento de 1,5°C não deixa de ter impactos significativos sobre o clima — tanto é que as mudanças climáticas já estão em curso e causando problemas gravíssimos em todo o planeta —, mas especialistas consideram que este é um limite minimamente seguro, no sentido de evitar mudanças climáticas mais severas, e minimamente factível, do ponto de vista das ações políticas e econômicas que precisam ser tomadas para o seu cumprimento. O objetivo do Acordo de Paris, firmado em 2015 (com base nas conclusões do último relatório do IPCC), é justamente manter o aquecimento global “bem abaixo de 2°C” e, preferencialmente, até um limite máximo de 1,5°C.

“A temperatura global da superfície continuará a aumentar até pelo menos meados deste século em todos os cenários de emissões considerados. As taxas de aquecimento global de 1,5°C e 2°C serão excedidas durante o século 21, a não ser que reduções profundas nas emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa ocorram nas próximas décadas”, é outra das mensagens centrais do novo relatório, incluídas no Sumário para Tomadores de Decisão.

“A mensagem do IPCC é cristalina: mudar agora e preparar para o impacto. As piores previsões dos cientistas estão se tornando realidade mais rápido do que o esperado, os pontos de ruptura estão se aproximando e o único nível aceitável de emissões é zero”, declarou a especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima, Stela Herschmann.

Até agora, segundo o IPCC, esse aumento foi de 1,1°C em comparação com a temperatura média do período 1850-1900, que é usada como linha de base para representar a temperatura “normal” (natural) do planeta na era pré-industrial, antes da interferência humana. A velocidade de aquecimento observada nas últimas cinco décadas é sem precedentes nos últimos 2 mil anos, segundo os cientistas, e a última vez que a Terra esteve tão quente foi cerca de 125 mil anos atrás. Tudo isso impulsionado, principalmente, pelo aumento da concentração de CO2 na atmosfera, que em 2019 atingiu 410 partes por milhão (ppm) — a concentração mais alta nos últimos 2 milhões de anos, segundo o relatório.

“A escala das mudanças recentes no sistema climático como um todo e o estado atual de muitos aspectos do sistema climático não têm precedentes num período de muitos séculos a muitos milhares de anos”, escrevem os cientistas.

Artaxo ressalta que essa marca de 1,5°C já foi ultrapassada nos continentes, que aquecem muito mais rápido do que os oceanos. Em áreas terrestres, o aumento já está em 1,6°C, comparado a 0,9°C nos oceanos (o que dá uma média de 1,1°C de aquecimento global total, comparado à era pré-industrial). Além disso, em escala global, esse limite só não foi superado, ainda, por causa de um outro problema gerado pelo homem: a poluição do ar urbana, que contém partículas (aerossóis e fuligem, por exemplo) que refletem a energia solar de volta ao espaço e, dessa forma, causam um efeito de resfriamento — oposto ao causado pelos gases de efeito estufa. Segundo o relatório, essa poluição reduziu o aquecimento global até agora em 0,5°C. “Estamos mascarando cerca de um terço do aquecimento que já ocorreu”, ressalta o pesquisador, que é um dos sete autores brasileiros do relatório.

Influência humana comprovada

O aquecimento da Terra nos últimos 120 anos é um fato inequívoco, como mostram os gráficos acima. O gráfico da esquerda (a) mostra como a temperatura da superfície do planeta variou ao longo dos últimos dois mil anos, com base em registros paleoclimáticos extraídos de rochas, gelo e sedimentos marinhos. Notem que a temperatura oscila para cima e para baixo, mas não se descola muito da média observada entre 1850 e 1900, que é a linha de base do gráfico (representada pelo 0.0 na barra vertical do gráfico), usada como referência de temperatura normal do planeta, antes do início da interferência humana no clima.

A partir de 1850, as temperaturas deixam de ser “reconstruídas” por meio de registros paleoclimáticos e passam a ser medidas diretamente, por meio de termômetros. A partir daí, o que acontece nesses últimos 170 anos é assustador: a linha do gráfico sobe violentamente a partir do início do século 20, até ultrapassar a marca de 1ºC de aquecimento, no início do século 21. Agora, segundo o relatório, está em torno de 1,1ºC; e continua subindo.

Cenários futuros

Por mais sofisticadas que sejam as simulações feitas pelos cientistas, não há como prever exatamente o que vai acontecer no futuro — porque esse futuro, obviamente, é influenciado por uma enormidade de variáveis, não apenas climáticas, mas também econômicas, políticas e sociais. Por isso, em vez de fazer uma única previsão, o cientistas sempre trabalham com diversos cenários, buscando projetar o que pode acontecer no futuro em diferentes circunstâncias.

Para este relatório, o IPCC elaborou cinco novos cenários de emissões de gases de efeito estufa para o período 2015-2100, incluindo: dois cenários mais otimistas, em que as emissões decaem rapidamente nas próximas décadas; um cenário intermediário, em que as emissões permanecem estáveis até 2050 e diminuem gradativamente a partir daí; e dois cenários mais pessimistas, em que as emissões continuam a crescer até o fim do século. (Esses cenários são identificados pela sigla SSP, que significa Trajetória Socioeconômica Compartilhada, em inglês.)

Panorama global

O aquecimento global não se manifesta de forma homogênea em todo o planeta. Segundo o relatório do IPCC, a temperatura de superfície global da Terra aumentou cerca de 1,1ºC desde o início da era industrial, mas esse aquecimento foi maior sobre áreas terrestres (1,6ºC) do que sobre os oceanos (0,9ºC) e algumas regiões estão aquecendo muito mais rápido do que outras. A região do Ártico é a mais preocupante, pois está aquecendo duas vezes mais rápido do que o resto do planeta, e a cobertura de gelo marinho durante o verão vem diminuindo significativamente nas últimas décadas. Até 2050, os pesquisadores estimam que já haverá verões completamente sem gelo marinho na região.

Fonte:Jornal da USP

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