Gazeta da Torre
Uma pesquisa realizada na Faculdade de Medicina (FMUSP)
com estudantes de graduação e pós-graduação da Universidade buscou entender o
comportamento alimentar e a presença de desejos intensos por comida e
distúrbios alimentares nos adeptos de dietas sem supervisão profissional.
A partir de um questionário on-line respondido
anonimamente por mais de 800 universitários, compreendendo o período anterior à
pandemia e também o atual, foi possível encontrar dados alarmantes sobre a
relação entre a prática não supervisionada de dietas e a maior ocorrência de
comportamentos de risco para transtornos alimentares. O estudo foi realizado
pelos pesquisadores Jônatas de Oliveira, Leandro Figueiredo e Táki Athanássios
Cordás.
Jônatas de Oliveira, nutricionista e pesquisador
colaborador do Programa de Transtornos Alimentares (Ambulim) do Instituto de
Psiquiatria (IPq), explica ao Jornal da USP que 25% dos universitários
responderam que haviam aderido à dieta low carb, com baixa proporção de
carboidratos, nos últimos três meses e 7,5% disseram apresentar práticas
compensatórias a essa alimentação, como o uso de laxantes e o vômito induzido.
Nenhum deles era acompanhado por um profissional.
Além disso, mais da metade dos praticantes da dieta low
carb manifestou que sentia culpa após comer carboidratos e que se preocupava
com peso e forma corporal, sendo que esse grupo de pessoas demonstrou maior
consumo de alimentos como chocolate e menor ingestão de arroz e pão francês, em
comparação com o grupo que não aderia à dieta.
O pesquisador conta que foram encontrados grandes níveis
de desejo intenso por comida nos adeptos da low carb e também do chamado jejum
intermitente. “Esse desejo pode ser definido como um evento cognitivo no qual
existe um alvo apetitoso, recrutando uma série de componentes neurais”, diz
Oliveira.
Porém, como se trata de um contexto de restrição do
consumo de certos alimentos, surgem pensamentos de autocontrole no indivíduo,
gerando a chamada restrição cognitiva. E essa restrição mobiliza processos
atencionais voltados a um alimento que não pode ser ingerido.
“Conseguimos mostrar nesta pesquisa que o conflito entre
o desejo por comida e a restrição cognitiva estava amparando a ocorrência de
compulsões alimentares, pelo simples fato de as pessoas estarem fazendo a dieta
low carb sem supervisão de um profissional”, comenta o pesquisador.
Segundo ele, pesquisas anteriores feitas no Brasil já
apontavam para a alta prevalência de transtornos alimentares nos
universitários, o que foi confirmado pelo novo estudo.
A pandemia de covid-19 se tornou um fator agravante desse
cenário, favorecendo a ocorrência dos transtornos. Em um desdobramento mais
recente da pesquisa, os indivíduos que estavam em isolamento social foram
avaliados e aqueles que praticavam dieta durante a quarentena mostraram alta
prevalência de risco para transtornos alimentares e desejos intensos por comida.
“Em sua maioria, eram pessoas que tinham planos de
emagrecimento; veio a pandemia, e elas continuaram nessa prática em um contexto
de restrição pela própria crise sanitária, o que colaborou para a ocorrência de
comportamentos transtornados”, explica Oliveira.
Possibilidades de ação
Como o pesquisador ressalta, embora o estudo tenha sido
baseado em um questionário com autopreenchimento pelos participantes, o que não
permite um diagnóstico definitivo, para ele, é necessário repensar a abordagem
institucional frente a essa questão.
Jônatas de Oliveira aponta algumas possibilidades de ação
da Universidade para amenizar a situação: “Formar grupos de atendimento para
esses pacientes, priorizar a saúde dos universitários e reconhecer que tais
práticas transtornadas e o sofrimento decorrente podem piorar a atuação
acadêmica e profissional deles, além de trazer essa temática para o debate
cotidiano.”
Os dados sobre a presença de sofrimento psíquico e
depressão na comunidade universitária são mais conhecidos, mas há urgência em
dar atenção aos casos de comportamento alimentar inadequado dos estudantes,
pois muitos desconhecem que necessitam de ajuda, segundo o especialista.
“A prescrição profissional da dieta low carb, por sua
vez, deve ser avaliada com cautela pelos nutricionistas, de acordo com as
condições do paciente”, diz Oliveira. “A prática popular e não supervisionada
existe e com a pesquisa foi possível perceber o quanto ela é prejudicial para a
saúde mental e física dos estudantes.”
Fonte: ASBRAN – Associação Brasileira de Nutrição
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