Gazeta da Torre
Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia,
Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP
Desde
o final do século 18, com o advento da Revolução Industrial, novas profissões e
ocupações têm sido geradas pelas tecnologias que surgem com uma velocidade cada
vez maior. Um exemplo sintomático foi o advento dos pagers nos anos de
1980/1990. Milhões de pessoas no mundo andavam com o aparelhinho em seus bolsos
ou cintura e, ao receberem um toque sonoro, corriam para telefonar para uma
central que então lhes passava os respectivos recados. Apenas no Brasil quase
três milhões de pessoas trabalhavam nessas centrais. Foi uma ocupação
importante naquele período, que acabou de uma hora para outra, no final do
século 20, com o advento do telefone celular.
Justamente o telefone celular, ou melhor, o smartphone,
nos últimos dez anos, gerou não apenas uma nova forma de trabalho, o trabalho
por aplicativo, mas novos setores nas economias de todos os países. Nos Estados
Unidos é a chamada “gig economy” e, no Brasil, economia uberizada. A
denominação se refere aos setores nos quais os aplicativos facilitam transações
entre compradores e vendedores. Os exemplos tradicionais no Brasil são a
própria Uber, que movimenta motoristas, e o iFood, que mobiliza entregadores de
comida.
Interessante que os primeiros aplicativos instalados em
smartphones para demandar serviços, principalmente de motoristas, começaram a
chegar ao Brasil em 2014. Apesar de muito combatidos pelos taxistas de então,
os novos motoristas optaram pela profissão e a escolheram em detrimento de
empregos nos quais anteriormente contavam com o amparo da previdência social,
do FGTS, dos planos de saúde etc. E ainda tiveram que investir nos seus
automóveis. A maioria dessas pessoas começou a trabalhar para a maior operadora
e, inicialmente, eram considerados privilegiados, pois eram vistos como
empresários com bastante autonomia para atuar quando e onde quisessem.
Passados quase dez anos, sabemos que as coisas caminharam
de forma bem diferente. Os rendimentos desses motoristas caíram, porque a
adesão ao novo formato cresceu muito, e com isso a concorrência entre eles
próprios fez com que os preços das corridas despencassem. Também ficaram
evidentes as dificuldades para a sobrevivência, pois não mais contavam com os
benefícios da época em que eram empregados em empresas.
Com a pandemia, houve uma explosão no número de
trabalhadores na modalidade, por demanda. Estudo da McKinsey, Independent Work:
choice, necessity and the gig economy, mostra que pelo menos 20 % da População
Economicamente Ativa (PEA) dos Estados Unidos e Europa já recebem a demanda de
seus respectivos trabalhos por aplicativos em celular. E não apenas motoristas,
entregadores de refeições, técnicos de informática, mas muitos outros, inclusive
professores e médicos. Em todas estas modalidades, a situação é praticamente a
mesma, ou seja: com o tempo, caem os rendimentos, e as pessoas sentem a falta
dos benefícios. Sem contar situações trágicas: A prefeitura de São Paulo
divulgou que, em 2022, morreram apenas em acidentes de trânsito mais de 400
motoqueiros.
Outra mudança na forma de trabalho cresceu
exponencialmente nos últimos quatro anos: trata se do home office ou trabalho
remoto. Muitas empresas hoje permitem que seus empregados desenvolvam as
atividades de suas próprias casas. Ainda não está claro se efetivamente há um
aumento na produtividade, mas com certeza aumenta a comodidade do trabalhador
que assim gasta muito menos tempo no trânsito, entre outros benefícios.
Todavia, algumas empresas passaram a considerar como um benefício ao empregado
o fato dele trabalhar em sua própria residência. Seria válido?
A conclusão é que o formato do trabalho tem se modificado
muito e vai continuar mudando nos próximos anos. Há benefícios para a economia
como um todo, mas, principalmente no caso dos que têm sua atividade demandada
por um aplicativo, urge a necessidade de proteção. Eles são trabalhadores como
outros, mas não contam com nenhum mecanismo de proteção, principalmente
previdência social, um número máximo de horas de trabalho por dia e nem um
salário-mínimo mensal. Sem esses direitos, estamos admitindo a volta ao modus
operandi do século 19 e esquecendo lutas sociais e conquistas dos trabalhadores
que aconteceram, inclusive no Brasil, ao longo do século 20.
Fonte: Jornal da USP
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