Gazeta da Torre
Uma pesquisa de doutorado desenvolvida com resíduos de
inajá e de açaí, resultantes da prensagem da polpa das frutas para a extração
de óleo, revelou que eles são ricos em compostos bioativos com atividade
antioxidante e anti-inflamatória. Publicados nas revistas científicas Food
Research International e Foods, os resultados do estudo são inéditos, já que
esses resíduos ainda não haviam sido investigados cientificamente.
“As atividades agroindustriais geram grande quantidade de
resíduos, muitas vezes em volumes superiores ao produto que é comercializado.
Uma indústria que processa frutas para extração de óleos e outros compostos
ativos veio até nós para que estudássemos os óleos essenciais, a princípio.
Conhecendo o processamento, sugerimos investigar os resíduos, visto que possuem
maior rendimento do que os respectivos óleos ao final do processo e são
comumente descartados e inexplorados”, conta a primeira autora dos artigos,
Anna Paula de Souza Silva, que é cientista de alimentos e foi bolsista de
doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP.
Segundo a pesquisadora, que investiga desde o mestrado o
potencial bioativo dos resíduos de açaí e inajá, frutas nativas brasileiras da
região amazônica, a literatura já reporta propriedades bioativas muito
importantes de diversos outros subprodutos do processamento de alimentos, como
hortaliças e frutas, bem como os agrícolas.
“Vimos uma grande oportunidade de estudar esses resíduos
de açaí e inajá que, até o presente, não têm uma destinação específica, sendo
geralmente descartados no ambiente ou destinados à alimentação animal. Mas,
dependendo do processo, da fruta e do seu rendimento em óleo, esse resíduo pode
representar de 60 a 90% do volume total de matéria-prima”, revela.
Flavonoides e antocianinas
Geralmente, para a extração dos óleos, frutas como o açaí
são maceradas em água quente, as sementes são removidas e a polpa é extraída,
seca e prensada. No caso do inajá, o processo se repete, porém, a casca é
removida logo no início. O que sobra na prensa é chamado de “torta”. Silva fez
uma caracterização inicial desse material e desenvolveu métodos de extração que
possibilitaram a produção de um extrato rico em substâncias antioxidantes.
Então, usou diversas metodologias para analisar as propriedades dos extratos.
“Para avaliar a capacidade antioxidante geral, submetemos
os extratos a uma análise do teor de compostos fenólicos totais e,
posteriormente, determinamos o perfil em relação aos compostos bioativos. Para
isso, separamos e identificamos diversos compostos por meio de cromatografia
líquida de alta eficiência [técnica usada para separar cada um dos componentes
de uma mistura] acoplada à espectrometria de massas de alta resolução [técnica
de detecção e identificação de moléculas pela mensuração de sua massa e que
também possibilita a caracterização da estrutura química]. Os principais
compostos identificados no extrato de inajá foram procianidinas e, no de açaí,
antocianinas, flavonas e flavonoides. Determinamos pela primeira vez o perfil
dos extratos desses resíduos, relativo à presença de compostos fenólicos. E
descobrimos que ele é bastante diverso no que tange às demais atividades
analisadas, ou seja, anti-inflamatória, antioxidante e antimicrobiana.”
O grupo interdisciplinar que assina o trabalho fez,
ainda, análises relacionadas ao sequestro de espécies reativas de oxigênio
(ROS) – sendo algumas radicais livres que, quando presentes em excesso no
organismo, podem gerar diversos tipos de prejuízo à saúde humana. Esses
oxidantes têm efeitos nos alimentos também, por exemplo, diminuindo sua vida
útil. “Com teores muito baixos dos extratos, conseguimos diminuir a
concentração de algumas espécies reativas em 50%. É um indicativo de que o
material tem uma potente ação antioxidante.”
Para analisar a atividade anti-inflamatória, os
pesquisadores trataram macrófagos murinos, que são células do sistema imune de
camundongos, com os extratos das tortas de açaí e de inajá em diferentes
concentrações após o estímulo com um composto bacteriano (lipopolissacarídeo ou
LPS) que desencadeia um processo inflamatório. Depois da indução, essas células
produzem NF-κB (complexo proteico envolvido na resposta celular a estímulos,
como o estresse e a ação de radicais livres) e citocinas como a TNF-α (com
ações pró-inflamatórias).
“Avaliamos a inibição do fator NF-κB e os teores de TNF-α
em células tratadas com os extratos. O resultado foi bastante animador. Com uma
concentração de 100 microgramas de extrato por mililitro de meio de cultura
[mcg/ml], conseguimos inibir o fator NF-κB deixando-o praticamente no nível das
células usadas como controle, que não foram estimuladas com agentes
inflamatórios. Nessa concentração, também conseguimos reduzir drasticamente os
níveis de TNF-α nas células tratadas com os extratos, igualmente a um valor que
não difere do controle”, resume Silva.
O grupo analisou, ainda, a atividade antimicrobiana do
extrato da torta de açaí, selecionando algumas cepas de bactérias e leveduras
relacionadas a doenças de origem alimentar e a enfermidades em ambientes
hospitalares. “Os resultados indicam uma possível ação antimicrobiana, porém,
novos estudos são necessários para detalhar esse potencial”, conta a
pesquisadora.
Economia circular
Severino Matias de Alencar, um dos autores do trabalho,
afirma que o grupo partiu da identificação da vocação dos resíduos, daí o uso
de diversas metodologias de naturezas biológicas e químicas. “Vimos que eles
têm vocações antioxidante e anti-inflamatória, indicando um alto potencial de
reaproveitamento e contribuindo com a economia circular, que é o que queremos.”
Alencar reitera que os resíduos de açaí e inajá são muito
ricos. “Dali só se retirou o óleo, ficou todo o material residual. É um
material que pode ser reaproveitado tanto na indústria de alimentos quanto na
farmacêutica e cosmética. Aliás, já fomos procurados por algumas empresas, que
têm muito interesse, pois não querem usar nada de origem animal em seus
produtos.”
Ele lembrou que Anna Paula Silva também simulou a
digestão humana desses extratos in vitro, concluindo que eles conservam suas
propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes na fração intestinal, onde
seriam absorvidos (dados em processo de publicação).
“Agora, queremos estudar o transporte celular dos
compostos da fração intestinal em modelo de células do intestino humano para
verificar se os compostos bioativos são absorvidos e se as atividades
biológicas são preservadas. E, na sequência, fazer protótipos de alimentos
enriquecidos com os extratos estudados”, adianta o pesquisador.
Fonte - Agência Fapesp | Karina Ninni
Nenhum comentário:
Postar um comentário