Gazeta da Torre
Todos os dias, 40,3 milhões de crianças e adolescentes se
alimentam gratuitamente em escolas públicas de todo o país. É como se,
diariamente, o Brasil colocasse um exército de merendeiras para matar a fome de
quase toda a população da Argentina. Mas, em meio ao empobrecimento dos
brasileiros, com 33 milhões de pessoas passando fome todos os dias, segundo
pesquisa divulgada em junho pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), cresce o número de crianças que
comem carne ou consomem a única refeição do dia apenas na escola.
O cenário reforça a importância da merenda escolar – que
garante a frequência às aulas e o crescimento com saúde. São fartos os estudos
mostrando que a alimentação equilibrada está relacionada ao bom desempenho em
aula. A fome reduz foco, memória e capacidade de raciocínio. Desnutrida, a
criança desenvolve menos conexões neurais – o que, no futuro, pode prejudicar a
ascensão social.
— Há evidências sólidas mostrando a influência entre boa
alimentação e desenvolvimento cognitivo e também retenção escolar. A
alimentação é uma política pública importante. Nós não podemos dar conta de
toda a família, mas ao menos as crianças na escola se alimentam bem. Sem fome,
vão ser mais saudáveis, menos obesas, aprender melhor e vão contribuir mais
para a sociedade — comenta a nutricionista Sílvia Pauli, coordenadora da
alimentação escolar da Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Porto Alegre.
Na prática, a merenda escolar funciona como transferência
indireta de renda, já que alivia os gastos de brasileiros.
Alimentar 40,3 milhões de crianças é possível graças a
uma gigantesca política pública existente há mais de 60 anos, admirada no mundo
inteiro, inclusive por países ricos: o Programa Nacional de Alimentação Escolar
(Pnae). A estratégia é financiada em parte pelo Ministério da Educação (MEC) e
em parte por Estados (no caso da merenda de escolas estaduais) ou por
prefeituras (quando a comida é servida em escolas municipais).
A insegurança alimentar é fruto de duas coisas:
desigualdade alta associada com pobreza, ou seja, muitas pessoas pobres em país
desigual, e uma rede de abastecimento mal estruturada. O problema da fome no
mundo não é falta de alimento, mas distribuição. Temos alimentos o suficiente,
o problema é distribuir. Se não ofereço merenda de qualidade, perco a criança
do ponto de vista de desenvolvimento. Ninguém estuda com fome — diz José Ely
Mattos, professor de Economia na PUCRS.
Por Marcel Hartmann, jornalista
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