Gazeta da Torre
Paulo Saldiva, médico patologista e professor da USP |
“Há um sistema de desinformação, promovido por quem tem
interesses financeiros, que se aproveita do desconhecimento a respeito da
ciência e da saúde. Quando alguém recebe um comentário criado por algum cluster
de fora do País, com 1 milhão de curtidas, aquilo tem um fator de impacto com
valor maior do que um artigo em uma revista científica, como Science ou
Nature”, afirma Paulo Saldiva, médico patologista, professor na Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo de Saúde
Urbana do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Para ele, é a desinformação
que leva pessoas a decidir não se vacinarem e a buscar “soluções milagrosas”.
“Na pandemia, a
desinformação foi utilizada de forma deliberada, e este é um tema que veio para
ficar. Em várias áreas do conhecimento, mas principalmente na Saúde, isso pode
ter consequências devastadoras”, pondera. Segundo Saldiva, este retrocesso
procede, também, da atribuição à vacina de efeitos colaterais que não existem,
ou que são menores do que o risco de se contaminar com a doença que a
imunização combate.
O professor adiciona outros elementos à conversa: por um
lado, há uma minoria antivacina em todo o mundo; por outro, há fatores humanos
que levam a população a ter menos receio de doenças cujas circulação e
letalidade são menores do que no século passado, como o sarampo. “A [falta de]
memória tirou da gente o horror do adoecimento por algumas enfermidades. Há
casos de pólio em Nova York [EUA], mas não por falta de vacina, que existe há
várias décadas.”
Saldiva ainda lembra que a desinformação também nasce da
má ciência, exemplificando com o caso de um cientista renomado que afirmou, em
um artigo científico, que a vacina tríplice infantil causa autismo. Por vários
anos, este artigo ficou acessível na revista médica científica Lancet – muito
prestigiada e, talvez, a mais antiga do mundo, lembra. “Era um bom pesquisador,
não um ignorante legítimo, mas produziu ignorância de forma deliberada. Ele é
um próspero editor de fake news contra vacinas.”
Outro ponto que Saldiva avalia na entrevista é a
necessidade de programas regionais específicos voltados à saúde. “No caso da
pandemia de covid-19, o risco de vida na cidade de São Paulo variava nove
vezes, a depender da localidade. E se fosse uma pessoa negra, a variação era de
14 vezes. No manejo de uma doença infecciosa, é preciso discutir mais do que a
vacina, é necessário debater a mobilidade urbana e a capacidade de isolamento
das pessoas. Assim como temos medicina de precisão, deveríamos ter uma política
de saúde de precisão desenhada para o território específico, considerando as
soluções criadas localmente”, reforça.
*Entrevista da série comemorativa de 500 entrevistas do Canal UM BRASIL
--- divulgação ---
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