domingo, 5 de setembro de 2021

Especialistas divergem sobre a melhor opção para as estatais brasileiras alcançarem a modernidade

 Gazeta da Torre

Para Alessandro Octaviani, ao defender a privatização, o governo brasileiro está fazendo o contrário do que ocorre nos países capitalistas do mundo contemporâneo, enquanto Sérgio Sakurai indaga se as empresas estatais desempenham bem seu papel de fornecer serviço ou produtos à população.

Dados do Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais do Ministério do Planejamento mostram que 41 empresas estatais foram privatizadas no Brasil desde 1990, e os números não param por aí. Eletrobrás e os Correios estão em processo de privatização pelo governo. Mas essa é uma discussão que envolve várias questões, desde os benefícios para a população até as contas públicas e especialistas divergem sobre os benefícios das privatizações.

Segundo Alessandro Octaviani, professor do Departamento de Direito Econômico e Economia Política da  Faculdade de Direito (FD) da USP, o Brasil está na contramão do que vem sendo realizado nos estados capitalistas do mundo contemporâneo. Já o professor Sérgio Sakurai,  da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, argumenta que “é preciso analisar se as empresas estatais desempenham bem seu papel de fornecer serviço ou produtos à população. Ao se propor uma privatização é fundamental ver se o país está bem servido.”

 “Essa conversa de que as privatizações das empresas estatais brasileiras vão nos levar à modernidade, mais perto daquilo que é a vanguarda do capitalismo contemporâneo, é uma mentira, não se sustenta em nenhum fato, em nenhuma pesquisa empírica, ela é simplesmente uma falácia ideológica”, diz Octaviani . O professor lembra que, na Europa, a Alemanha possui cerca de 15 mil empresas estatais e que está passando por um processo em diversos setores de reestatização, afastando as empresas privadas que ofereciam serviços muito ruins.

Octaviani também contou que, “no Japão, das 600 empresas listadas em Bolsa, 400  têm participação direta do Estado japonês. Já na China existem cerca de 150 mil sociedades empresárias estatais e o país contribui na lista da Forbes –  das 500 maiores empresas do mundo, 50 são estatais chinesas. Nos Estados Unidos, os números e mapeamentos apontam a existência entre seis a sete mil estatais, sem contar as municipais.    

 A justificativa apresentada pelo Brasil para privatizar as estatais não se fundamenta e serve para pequenos interesses e investidores, diz o professor Octaviani. “O que nós temos é um discurso, via de regra falacioso, que afirma que vai vender as estatais para abater a dívida pública, só que a dívida pública, na verdade, o grande fator de  impulsionamento e de engrandecimento, é a política de juros, ou a política fiscal  muito descontrolada, prioritariamente pelo pagamento de juros que foram praticados desde o governo Fernando Henrique, com alguma modificação, mas basicamente sendo a mesma política até agora. É uma falácia afirmar que as estatais, sendo vendidas, diminuem a nossa dívida, porque isso tem uma série histórica de quase três décadas para apontar que é mentira”.

Privatização e concessão

O professor Sakurai diz que a comparação entre países de processos de privatização de estatais ou até mesmo de reestatização de empresas já privatizadas é inadequada, porque precisam ser consideradas características de cada país, como população, extensão territorial e marcos regulatórios, entre outros. “O ideal é buscar exemplos dentro do próprio país, como a privatização da telefonia no Brasil, em 1998, que quebrou o monopólio do Estado e permitiu que mais pessoas tivessem acesso às linhas telefônicas. E, ainda, “não confundir privatização com concessão”, defende o professor.

Sakurai lembra que as linhas telefônicas naquela época eram um ativo  que as pessoas declaravam no Imposto de Renda. “Uma linha telefônica chegava a custar US$ 5 mil e as pessoas ficavam em lista de espera de até cinco anos para conseguir a sua”, afirma. Com a privatização, várias empresas entraram nesse mercado e a oferta de telefones aumentou substancialmente. “Em 1998, o Brasil tinha 17 milhões de linhas telefônicas fixas e 4,6 milhões linhas de telefone celular. Hoje são 40 milhões de linhas fixas e 230 milhões de telefonia celular”. Além do preço ser mais acessível que no final do século passado.

Outra questão levantada pelo professor Sakurai se refere ao papel das empresas e cita a necessidade de analisar o desempenho das empresas estatais em  fornecer serviço ou produtos à população. “É o caso do Marco Legal do Saneamento. Grande parte da população brasileira não tem acesso a tratamento de esgoto”, analisa. “O Estado reconheceu sua incapacidade para fornecer coleta e tratamento de esgoto a toda a população brasileira e aprovou o Marco Legal, que permite a participação da iniciativa privada nessa prestação de serviço.”

Privatização na Europa

Embora alguns países da Europa estejam passando por uma onda de estatização, o aparato regulatório e a estabilidade política e econômica permitem certas tomadas de decisão. Na Europa, a maioria dos países tem acesso universal ao saneamento básico, por exemplo, o que não ocorre no Brasil.

Na experiência alemã, há um caso curioso em Berlin, cita Sakurai. “Um plebiscito foi feito para saber se a população queria a reestatização de uma empresa. Cerca de 80% das pessoas que responderam ao plebiscito optaram pela reestatização. Mas esse resultado foi desconsiderado, porque apenas 25% da população votou. Ficou caracterizado o desinteresse da população pelo assunto. O ideal seria que todos tivessem participado, o resultado seria representativo ou que o plebiscito tivesse sido feito com pessoas da cidade que fossem sorteadas aleatoriamente, minimizando a  chance de um resultado potencialmente enviesado. Por outro lado, ocorreu também que muitas empresas na Europa tiveram suas concessões encerradas e voltaram a ser geridas pelo Estado.

Por: Simone Lemos e Ferraz Junior/Rádio USP

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