Gazeta da Torre
Para Alessandro Octaviani, ao defender a privatização, o
governo brasileiro está fazendo o contrário do que ocorre nos países
capitalistas do mundo contemporâneo, enquanto Sérgio Sakurai indaga se as
empresas estatais desempenham bem seu papel de fornecer serviço ou produtos à
população.
Dados do Departamento de Coordenação e Controle das
Empresas Estatais do Ministério do Planejamento mostram que 41 empresas
estatais foram privatizadas no Brasil desde 1990, e os números não param por
aí. Eletrobrás e os Correios estão em processo de privatização pelo governo.
Mas essa é uma discussão que envolve várias questões, desde os benefícios para
a população até as contas públicas e especialistas divergem sobre os benefícios
das privatizações.
Segundo Alessandro Octaviani, professor do Departamento
de Direito Econômico e Economia Política da
Faculdade de Direito (FD) da USP, o Brasil está na contramão do que vem
sendo realizado nos estados capitalistas do mundo contemporâneo. Já o professor
Sérgio Sakurai, da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP,
argumenta que “é preciso analisar se as empresas estatais desempenham bem seu
papel de fornecer serviço ou produtos à população. Ao se propor uma
privatização é fundamental ver se o país está bem servido.”
“Essa conversa de
que as privatizações das empresas estatais brasileiras vão nos levar à
modernidade, mais perto daquilo que é a vanguarda do capitalismo contemporâneo,
é uma mentira, não se sustenta em nenhum fato, em nenhuma pesquisa empírica,
ela é simplesmente uma falácia ideológica”, diz Octaviani . O professor lembra
que, na Europa, a Alemanha possui cerca de 15 mil empresas estatais e que está
passando por um processo em diversos setores de reestatização, afastando as
empresas privadas que ofereciam serviços muito ruins.
Octaviani também contou que, “no Japão, das 600 empresas
listadas em Bolsa, 400 têm participação
direta do Estado japonês. Já na China existem cerca de 150 mil sociedades
empresárias estatais e o país contribui na lista da Forbes – das 500 maiores empresas do mundo, 50 são
estatais chinesas. Nos Estados Unidos, os números e mapeamentos apontam a
existência entre seis a sete mil estatais, sem contar as municipais.
A justificativa
apresentada pelo Brasil para privatizar as estatais não se fundamenta e serve
para pequenos interesses e investidores, diz o professor Octaviani. “O que nós
temos é um discurso, via de regra falacioso, que afirma que vai vender as
estatais para abater a dívida pública, só que a dívida pública, na verdade, o
grande fator de impulsionamento e de
engrandecimento, é a política de juros, ou a política fiscal muito descontrolada, prioritariamente pelo
pagamento de juros que foram praticados desde o governo Fernando Henrique, com
alguma modificação, mas basicamente sendo a mesma política até agora. É uma
falácia afirmar que as estatais, sendo vendidas, diminuem a nossa dívida,
porque isso tem uma série histórica de quase três décadas para apontar que é
mentira”.
Privatização e concessão
O professor Sakurai diz que a comparação entre países de
processos de privatização de estatais ou até mesmo de reestatização de empresas
já privatizadas é inadequada, porque precisam ser consideradas características
de cada país, como população, extensão territorial e marcos regulatórios, entre
outros. “O ideal é buscar exemplos dentro do próprio país, como a privatização
da telefonia no Brasil, em 1998, que quebrou o monopólio do Estado e permitiu
que mais pessoas tivessem acesso às linhas telefônicas. E, ainda, “não
confundir privatização com concessão”, defende o professor.
Sakurai lembra que as linhas telefônicas naquela época
eram um ativo que as pessoas declaravam
no Imposto de Renda. “Uma linha telefônica chegava a custar US$ 5 mil e as pessoas
ficavam em lista de espera de até cinco anos para conseguir a sua”, afirma. Com
a privatização, várias empresas entraram nesse mercado e a oferta de telefones
aumentou substancialmente. “Em 1998, o Brasil tinha 17 milhões de linhas
telefônicas fixas e 4,6 milhões linhas de telefone celular. Hoje são 40 milhões
de linhas fixas e 230 milhões de telefonia celular”. Além do preço ser mais
acessível que no final do século passado.
Outra questão levantada pelo professor Sakurai se refere
ao papel das empresas e cita a necessidade de analisar o desempenho das
empresas estatais em fornecer serviço ou
produtos à população. “É o caso do Marco Legal do Saneamento. Grande parte da
população brasileira não tem acesso a tratamento de esgoto”, analisa. “O Estado
reconheceu sua incapacidade para fornecer coleta e tratamento de esgoto a toda
a população brasileira e aprovou o Marco Legal, que permite a participação da
iniciativa privada nessa prestação de serviço.”
Privatização na Europa
Embora alguns países da Europa estejam passando por uma
onda de estatização, o aparato regulatório e a estabilidade política e
econômica permitem certas tomadas de decisão. Na Europa, a maioria dos países
tem acesso universal ao saneamento básico, por exemplo, o que não ocorre no Brasil.
Na experiência alemã, há um caso curioso em Berlin, cita
Sakurai. “Um plebiscito foi feito para saber se a população queria a
reestatização de uma empresa. Cerca de 80% das pessoas que responderam ao
plebiscito optaram pela reestatização. Mas esse resultado foi desconsiderado,
porque apenas 25% da população votou. Ficou caracterizado o desinteresse da
população pelo assunto. O ideal seria que todos tivessem participado, o
resultado seria representativo ou que o plebiscito tivesse sido feito com pessoas
da cidade que fossem sorteadas aleatoriamente, minimizando a chance de um resultado potencialmente
enviesado. Por outro lado, ocorreu também que muitas empresas na Europa tiveram
suas concessões encerradas e voltaram a ser geridas pelo Estado.
Por:
Simone Lemos e Ferraz Junior/Rádio USP
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