Gazeta da Torre
O desmatamento na Amazônia só cresce |
Não são apenas 14,20 reais por cada 100 quilowatt-hora
que o brasileiro vai pagar a mais com a bandeira de escassez hídrica criada
pelo Governo atual para tentar contornar a ameaça de apagão. “O que está
sendo precificado na conta de luz é o desmatamento da Amazônia”, explica Pedro
Luiz Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de
São Paulo (IEE-USP). Num momento em que a economia ainda ensaia estratégias
para se recuperar da pandemia de covid-19, com inflação em alta e renda das
famílias em queda, a iminência de uma crise energética acende um alerta sobre o
impacto que o descaso com o meio ambiente pode causar à economia do Brasil.
Analistas ouvidos pelo EL PAÍS afirmam que a crise
hídrica era previsível e que o Brasil teria melhores instrumentos para
contorná-la, caso tivesse começado a combatê-la no período certo. “Estamos
praticamente um ano atrasados. Em agosto de 2020 já sabíamos que a estiagem
viria”, lamenta Côrtez.
O Sistema Nacional de
Meteorologia (SNM) emitiu em 27 de maio o alerta de emergência hídrica na bacia
do rio Paraná, que atende os Estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Mato
Grosso do Sul e Paraná. Mas só no final de agosto o Governo Federal anunciou uma
estratégia para reduzir o consumo, com a criação da bandeira Escassez Hídrica
no valor de 14,20 reais a cada 100 quilowatt-hora consumidos, que vale para
todos os consumidores a partir deste mês até abril de 2022. Uma exceção é feita
aos beneficiários da tarifa social, além de sistemas isolados, como os de
Roraima e de outras áreas remotas, que não pagam bandeira tarifária. A nova
tarifa representa um aumento de 4,71 reais, quase 50%, em relação à tarifa de
bandeira vermelha 2 de 9,49 reais por 100 kWh, até então o maior patamar
aplicado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A maior seca em 91 anos é vista como um evento
imprevisível pelo Executivo. “Trata-se de um fenômeno natural que também
ocorre, com a mesma intensidade, em muitos outros países”, afirmou o ministro
de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante pronunciamento em rede nacional
recentemente, em que anunciou o plano de incentivo à participação social para
reduzir o consumo de energia no país. A meta é que os órgãos federais reduzam
em até em 20% o consumo. No entanto, para os grandes consumidores de energia,
como indústrias, hospitais, shoppings, construção civil e metalúrgicas, o plano
é incentivar a “redução voluntária do consumo” nas horas de ponta do sistema.
Enquanto o Governo aposta no aumento da conta de luz e no
voluntariado para conter a crise, as empresas já começam a calcular os
possíveis prejuízos. Levantamento realizado pela Confederação Nacional da
Indústria (CNI) com 572 companhias, entre os dias 25 de junho e 2 de julho,
mostra que nove em cada dez empresários estão preocupados com o aumento do
custo, com a possibilidade de racionamento e a instabilidade no fornecimento de
energia elétrica, segundo informações da Agência Brasil.
Fantasma do apagão
O fantasma do apagão somou-se aos recentes conflitos
político e a indefinições em relação à reforma tributária para afetar os
investimentos no segundo trimestre deste ano, de acordo com relatório do
Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Em um ambiente
cercado por insegurança, as empresas recuaram em 3,6% seus investimentos no
segundo trimestre frente ao período anterior. Essa é a primeira retração desde
o estrago feito pela pandemia no segundo trimestre do ano passado.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) mostram que o Produto Interno Bruto (PIB) ficou estável no segundo
trimestre, com recuo de 0,1% da economia ante o período anterior, mas com
quedas preocupantes nas indústrias de transformação (-2,2%) e na atividade de
eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos (-0,9%). “A
indústria só não recuou mais devido ao ramo extrativo, que registrou alta de
5,6%, estimulado pela melhora do comércio exterior de seus produtos, e também
devido à construção, com a reativação dos empreendimentos habitacionais,
especialmente nos maiores centros urbanos do país”, informou o IEDI.
Para a economista Juliana Inhasz, do Insper, a conta da
crise de energia começará a ser cobrada no PIB no terceiro trimestre. “O aumento
das tarifas de energia vai fazer com que os custos de produção aumentem mais
ainda. As empresas vão cobrar mais do consumidor, que vai ter que comprar
menos, porque a renda não está subindo. Teremos redução do consumo”, analisa a
economista. Inhasz afirma que o Brasil vem depositando na vacinação contra a
covid-19 toda a esperança de uma virada para a retomada econômica, e se
esqueceu de que é preciso “investimento e gestão pública bem feita”. “Vacina é
pré-condição para a retomada, mas temos outras variáveis a serem consideradas,
como a confiança dos investidores.”
Em julho, a produção industrial nacional já caiu 1,3%
frente a junho, segundo dados do IBGE, apesar de ter apresentado uma melhora de
1,2% em relação ao mesmo período do ano passado. “Dos sete meses do ano, cinco
ficaram no vermelho”, afirmou o IEDI. Como resultado, “o setor voltou a ficar
abaixo do nível de produção do pré-pandemia, perdendo o que havia recuperado na
segunda metade do ano passado”, segundo análise do instituto.
O Governo até vem optando por aumentar os juros para dar
mais segurança aos investidores. O resultado, porém, não tem sido o esperado.
“[O investidor pensa:] tudo bem, esse ano eu seguro as pontas, a inflação foi
mais alta, melhora a arrecadação, come um pedaço da dividida...’ Mas esse é um
fenômeno que queremos que seja temporário. Não queremos uma inflação
permanentemente alta para ajustar conta pública. Queremos conta publica
ajustada para impedir a inflação”, explica economista Alexandre Schwartsman,
ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central. No longo prazo, no
entanto, o cenário não é de redução de juros, o que encarece os investimentos,
inclusive aqueles necessários para contornar a crise energética. “Temos visto
as taxas de juros mais longas subindo e, parte disso, é por causa do risco
fiscal que se topa ao emprestar dinheiro ao Brasil”, diz.
O economista Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas
(FGV), também atribui a uma “inoperância do Governo” os efeitos que a escassez
hídrica terá na economia: “Era uma crise anunciada, que vai influir muito daqui
para frente”. Marconi afirma que o problema da matriz energética é antigo, e
depende de estímulos do Governo para novas tecnologias, como investimentos em
energias alternativas. Ele também critica “a falta de política de combate às
queimadas”, essenciais para garantir, inclusive, a sustentabilidade do
agronegócio. “A estratégia do Governo de aumentar tarifa e reduzir para quem
economizar é paliativa, terá um efeito marginal. Com o risco de um apagão como
o de 2001, a recuperação pós-pandemia já arrefeceu e vamos crescer próximo de
zero, no mesmo patamar que estávamos antes da crise sanitária”, afirma.
Crise não é a mesma de 2001
A crise de energia atual não é exatamente igual ao que
aconteceu há 20 anos, quando, somada à crise hídrica, estava a falta de
infraestrutura para transmissão e geração de energia ―o que fez com que o país
enfrentasse nove meses de apagão. Pedro Luiz Côrtes, do IEE-USP, explica que
dois componentes climáticos distintos estão mexendo com o clima no Brasil: a
estiagem provocada pelo fenômeno La Niña, que ocorre quando as águas do Oceano
Pacífico esfriam, afetando o clima nas cinco regiões do país; e redução das
chuvas causadas pela destruição da Amazônia. “Quando ocorre o desmatamento, a
umidade que a floresta passa para a atmosfera diminui. Isso não é um fenômeno
natural, é causado pela ação do homem”, explica Cortês.
Segundo ele, o Brasil não precisa só parar de desmatar,
“é preciso reflorestar a Amazônia para que voltemos a uma normalidade climática
daqui a 20, 30 anos”. Cortês defende que o Governo federal, diferentemente de
2001, tinha melhores instrumentos para lidar com a crise, como “ligar as
termelétricas já no segundo trimestre para preservar os reservatórios”. Mas
optou por esperar.
Desde o apagão no Governo Fernando Henrique Cardoso, o
Brasil vem investindo para diversificar sua matriz energética, mas ainda não
chegou a um equilíbrio. Em 2020, o país ultrapassou a marca de 2.000 usinas de
geração de energia em funcionamento, segundo dados da Câmara de Comercialização
de Energia Elétrica (CCEE). As hidrelétricas são maioria (875), seguidas pelas
eólicas (615 parques especialmente no Sul e no Nordeste). Além de 114 solares
fotovoltaicos e 401 termelétricas, representadas em sua maioria pelas usinas a
biomassa (286). De acordo com dados do Operador Nacional do Sistema (ONS), os
reservatórios das usinas localizadas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste ainda
são responsáveis por mais de 70% da produção. E, em agosto, eles operavam com
apenas 22,7% de sua capacidade de armazenamento.
Fonte:El País
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