quinta-feira, 24 de junho de 2021

A festa do santo São João - Memória, tradição e resistência cultural

Gazeta da Torre
24 de junho, dia do santo São João Batista
24 de junho - Dia do santo São João Batista

Dentre as manifestações culturais do Nordeste brasileiro os festejos juninos configuram como uma das maiores expressão da sua identidade. Chegada ao Brasil pelas mãos dos portugueses, a festa religiosa da tradição católica cristã amalgamou-se as especificidades regionais, as práticas do mundo rural e as tradições afro-indígenas –  das práticas mágico-sagradas, expressa nas crendices e superstições, as comidas a base de milho. Assim, tornou-se uma manifestação festiva edificada em consonância com o cotidiano de um povo mestiço que à festa transmitiu a diversidade de suas formas de ser e estar no mundo. 

A festa nascida entre os povos pagãos do Hemisfério Norte que em junho, no dia do solstício de verão, reuniam-se para saudar aos deuses e deusas objetivava garantir a fertilidade da terra e as boas colheitas. Ao ser incorporada ao calendário festivo da Igreja Católica (em torno do Século VI) a festa, agora dedicada a comemoração do nascimento de São João Batista, manteve sua condição de festa da colheita. De tal modo, no Nordeste brasileiro sendo o mês de junho época de fartura, no meio rural a festa passou a acontecer com a finalidade de comemorar as boas colheitas, momento de anunciar para todos a abundância. 

Nas últimas décadas, os festejos juninos passam por transformações, um contínuo processo de ressignificação da tradição que terminam, em alguns casos, por alterar completamente a essência da festa. É importante chamar atenção para o fato a transformação inicial deu-se a partir do processo de “rurbanização” da mesma (processo de transição do espaço rural para o urbano). Nesse processo, os elementos estruturadores da festa (conhecimentos, normas, valores, crenças e símbolos) começaram a perder seu sentido e caindo gradativamente em desuso. Aquela tradicional cerimônia onde parentes, os amigos, os namorados contraíam relações de compadrio, apadrinhamento, namoro e até casamento há muito caíram em desusança. Também não se ler a sorte, os esperados prognósticos de futuro, não se faz adivinhações para casamento. E as quadrilhas, momento do riso, da alegria e do improviso? Hoje são estilizadas, uniformizadas, padronizadas, coreografadas (secretamente), arduamente ensaiadas (por meses a fio) e dançadas num ritmo alucinante.

Mas, independente do formato e da pandemia que enfrentamos, os festejos juninos no Nordeste continuam lugar de destaque, disputando com o ciclo natalino a posição de festa mais importante da região. Continuam a revelar vivências, um prolongamento dos acontecimentos e valores que permearam a constituição da nossa sociedade, reveladoras dos diversos segmentos sociais nos quais é possível detectar a estrutura de relações da sociedade.

As festas juninas ainda se constitui em lugar de reprodução de valores, fortalecimento da identidade do grupo e consequente espaço de resistência e espaços de fortalecimento dos laços comunitários. Confirmando, como afirma Marcos Ayala (2001), que a festa além de permitir a recriação simbólica da memória, também estabelece vínculos com o passado, desperta uma forte consciência de filiação a uma nação, e contribui para reconstituir o sentimento de comunidade e pertença a um grupo, deixando “patente este vínculo essencial entre a memória, a identidade e o poder de resistência cultural”, um espelho através do qual os grupos se percebem - não apenas como portadores de valores culturais, mas também, como seus produtores.

Viva o Santo São João Batista! Viva o São João!

*Heloisa de Sousa, antropóloga e pesquisadora

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