segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Hidromel probiótico: nova versão de bebida vem de fermentação de kefir e levedura

 Gazeta da Torre

Pesquisadores da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP desenvolveram um hidromel diferente das opções disponíveis no mercado.  O produto alia a fermentação mista de grãos de kefir de água que, diferentemente da lactose no kefir de leite, utiliza açúcar (sacarose) adicionado à água como carboidrato para fermentação e da levedura Saccharomyces boulardii, transformando a bebida alcoólica em uma alternativa probiótica e inovadora no mercado de hidromel.

De origem milenar, os hidroméis são comercializados no Brasil, apesar de não terem tanta popularidade entre os brasileiros. Handray Fernandes de Souza, engenheiro de Alimentos, doutorando da FZEA e primeiro autor do estudo, conta que não conhecia o hidromel. Ele apenas soube da existência da bebida por meio de sua orientadora, que o incentivou a buscar mais informações.

Ao buscar estudos na literatura, Souza não encontrou pesquisas que avaliassem a possibilidade de desenvolver essa bebida fermentada a partir da aplicação da levedura S. Boulardii, já utilizada em medicamentos para tratar diarreia e para restaurar a flora intestinal. O fungo S. cerevisiae, que é da mesma família da levedura das cervejas, se apresentou como um potencial ingrediente para a produção de hidromel. “Se você procurar, os primeiros artigos publicados utilizando essa levedura em hidroméis foram os nossos”, conta o pesquisador. No doutorado, ele decidiu aumentar o grau de inovação e desenvolver um produto mais probiótico com a fermentação mista entre a levedura e grãos de kefir de água, algo até então inédito.

Na revisão bibliométrica (que quantifica a produção científica em determinado campo de estudo) realizada entre 2013 e 2022, o pesquisador identificou que o kefir tem sido utilizado no desenvolvimento de bebidas alcoólicas fermentadas. ”O kefir tem sido utilizado para o desenvolvimento de bebidas alcoólicas fermentadas como cerveja. Isso trouxe uma base de que é possível aplicar kefir em outras bebidas alcoólicas como o hidromel”, explica. A colaboração entre os dois fermentadores, além do uso da água açucarada no processo, foi essencial para que a bebida atingisse 4% de teor alcoólico exigido pela legislação brasileira, Decreto Nº6871 de 4 de junho de 2009, para classificá-lo como hidromel.

Efeitos funcionais

A fermentação é realizada em condições anaeróbicas (sem oxigênio), por nove dias, em temperatura controlada (25 °C), utilizando baldes de polipropileno. Durante o processo, são monitorados parâmetros como pH, acidez total, sólidos solúveis e teor alcoólico. A bebida desenvolvida não pode ser pasteurizada pós-produção para manter seu caráter funcional visível pelos sedimentos da bebida. Para comprovar esse efeito, o hidromel passou pelos testes de viabilidade das culturas probióticas durante e após a fermentação. O desafio foi encontrar as condições ideais para garantir a sobrevivência dos microrganismos, mesmo sob o estresse de um ambiente alcoólico.

“Realizamos testes preliminares variando concentrações de kefir para determinar as condições ideais para desenvolver o produto. Avaliamos a viabilidade dos microrganismos em condições gastrointestinais simuladas e agora estamos testando a vida de prateleira, com resultados positivos após 60 dias”, detalha Souza. Eles realizaram também análise de compostos bioativos presentes na bebida, como antioxidantes e fenólicos. Esses compostos agregam benefícios, como a redução do estresse oxidativo das células.

A combinação desses elementos faz com que o hidromel probiótico seja não apenas uma inovação científica, mas também mais um atrativo para um mercado crescente de alimentos funcionais. Com a conclusão das etapas iniciais, o foco agora é estudar a vida útil do produto e esperar os resultados dos testes sensoriais em andamento. Os dados preliminares apontaram uma boa durabilidade e aceitação do hidromel entre os participantes. “Nossa próxima etapa será avaliar os efeitos metabólicos da bebida em modelos vivos, visando a comprovar ainda mais seus benefícios à saúde da microbiota intestinal”, adianta Souza. Essa comprovação é relevante no contexto científico, pelos receios éticos em juntar efeitos positivos à saúde e uso de bebidas alcoólicas.

Da regulamentação às prateleiras

Como ainda não existe uma legislação específica para hidroméis probióticos com essas bases, a equipe segue diretrizes gerais de probióticos e bebidas fermentadas, como hidromel tradicional e kombucha. “Trabalhamos com legislações já existentes. É uma soma de aspectos legais, mas sabemos que a regulamentação precisa evoluir para abarcar bebidas inovadoras como o nosso hidromel probiótico”, continua o pesquisador. Ainda assim, ele alega que a falta de uma norma específica não é um desafio para a produção de um produto em larga escala. A produção industrial do processo exige adaptações técnicas para o controle rigoroso da fermentação mista e a manutenção da viabilidade dos microrganismos ao longo da vida útil do produto.

Segundo Eliana Setsuko Kamimura, professora do Departamento de Engenharia de Alimentos da FZEA, coordenadora do Laboratório de Engenharia de Bioprocessos e coautora do artigo, o hidromel já demonstrou potencial comercial e funcional nos testes preliminares, mas a produção em escala industrial requer parcerias com o setor privado. A professora indica que o kefir de água ainda é pouco estudado e comercializado, o que afeta diretamente a falta de regulamentação do produto, mas isso não prejudica sua viabilidade devido à possibilidade de sinergia entre legislações anteriormente citadas.

A pesquisa destaca o potencial do hidromel probiótico como uma contribuição inovadora ao mercado de bebidas funcionais e visa a promovê-lo como uma alternativa saudável e de alta qualidade, alinhada às demandas de consumidores atentos ao bem-estar, com a possibilidade do uso recreativo do álcool. O Brasil se destaca como um dos maiores produtores de mel, o que é visto pelos pesquisadores como outro incentivo para o desenvolvimento dessa bebida. “Por que não? Quem gosta de tomar um hidromel com baixo teor alcoólico agora pode ter essa vantagem probiótica”, finaliza Eliana.

Fonte: Jornal da USP

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