Gazeta da Torre
Pesquisadores da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de
Alimentos (FZEA) da USP desenvolveram um hidromel diferente das opções
disponíveis no mercado. O produto alia a
fermentação mista de grãos de kefir de água que, diferentemente da lactose no
kefir de leite, utiliza açúcar (sacarose) adicionado à água como carboidrato
para fermentação e da levedura Saccharomyces boulardii, transformando a bebida
alcoólica em uma alternativa probiótica e inovadora no mercado de hidromel.
De origem milenar, os hidroméis são comercializados no
Brasil, apesar de não terem tanta popularidade entre os brasileiros. Handray
Fernandes de Souza, engenheiro de Alimentos, doutorando da FZEA e primeiro
autor do estudo, conta que não conhecia o hidromel. Ele apenas soube da
existência da bebida por meio de sua orientadora, que o incentivou a buscar
mais informações.
Ao buscar estudos na literatura, Souza não encontrou
pesquisas que avaliassem a possibilidade de desenvolver essa bebida fermentada
a partir da aplicação da levedura S. Boulardii, já utilizada em medicamentos
para tratar diarreia e para restaurar a flora intestinal. O fungo S.
cerevisiae, que é da mesma família da levedura das cervejas, se apresentou como
um potencial ingrediente para a produção de hidromel. “Se você procurar, os
primeiros artigos publicados utilizando essa levedura em hidroméis foram os
nossos”, conta o pesquisador. No doutorado, ele decidiu aumentar o grau de
inovação e desenvolver um produto mais probiótico com a fermentação mista entre
a levedura e grãos de kefir de água, algo até então inédito.
Na revisão bibliométrica (que quantifica a produção
científica em determinado campo de estudo) realizada entre 2013 e 2022, o
pesquisador identificou que o kefir tem sido utilizado no desenvolvimento de
bebidas alcoólicas fermentadas. ”O kefir tem sido utilizado para o
desenvolvimento de bebidas alcoólicas fermentadas como cerveja. Isso trouxe uma
base de que é possível aplicar kefir em outras bebidas alcoólicas como o
hidromel”, explica. A colaboração entre os dois fermentadores, além do uso da
água açucarada no processo, foi essencial para que a bebida atingisse 4% de
teor alcoólico exigido pela legislação brasileira, Decreto Nº6871 de 4 de junho
de 2009, para classificá-lo como hidromel.
Efeitos funcionais
A fermentação é realizada em condições anaeróbicas (sem
oxigênio), por nove dias, em temperatura controlada (25 °C), utilizando baldes
de polipropileno. Durante o processo, são monitorados parâmetros como pH,
acidez total, sólidos solúveis e teor alcoólico. A bebida desenvolvida não pode
ser pasteurizada pós-produção para manter seu caráter funcional visível pelos
sedimentos da bebida. Para comprovar esse efeito, o hidromel passou pelos
testes de viabilidade das culturas probióticas durante e após a fermentação. O
desafio foi encontrar as condições ideais para garantir a sobrevivência dos
microrganismos, mesmo sob o estresse de um ambiente alcoólico.
“Realizamos testes preliminares variando concentrações de
kefir para determinar as condições ideais para desenvolver o produto. Avaliamos
a viabilidade dos microrganismos em condições gastrointestinais simuladas e
agora estamos testando a vida de prateleira, com resultados positivos após 60
dias”, detalha Souza. Eles realizaram também análise de compostos bioativos
presentes na bebida, como antioxidantes e fenólicos. Esses compostos agregam
benefícios, como a redução do estresse oxidativo das células.
A combinação desses elementos faz com que o hidromel
probiótico seja não apenas uma inovação científica, mas também mais um atrativo
para um mercado crescente de alimentos funcionais. Com a conclusão das etapas
iniciais, o foco agora é estudar a vida útil do produto e esperar os resultados
dos testes sensoriais em andamento. Os dados preliminares apontaram uma boa
durabilidade e aceitação do hidromel entre os participantes. “Nossa próxima
etapa será avaliar os efeitos metabólicos da bebida em modelos vivos, visando a
comprovar ainda mais seus benefícios à saúde da microbiota intestinal”, adianta
Souza. Essa comprovação é relevante no contexto científico, pelos receios
éticos em juntar efeitos positivos à saúde e uso de bebidas alcoólicas.
Da regulamentação às prateleiras
Como ainda não existe uma legislação específica para
hidroméis probióticos com essas bases, a equipe segue diretrizes gerais de
probióticos e bebidas fermentadas, como hidromel tradicional e kombucha.
“Trabalhamos com legislações já existentes. É uma soma de aspectos legais, mas
sabemos que a regulamentação precisa evoluir para abarcar bebidas inovadoras
como o nosso hidromel probiótico”, continua o pesquisador. Ainda assim, ele
alega que a falta de uma norma específica não é um desafio para a produção de
um produto em larga escala. A produção industrial do processo exige adaptações
técnicas para o controle rigoroso da fermentação mista e a manutenção da
viabilidade dos microrganismos ao longo da vida útil do produto.
Segundo Eliana Setsuko Kamimura, professora do
Departamento de Engenharia de Alimentos da FZEA, coordenadora do Laboratório de
Engenharia de Bioprocessos e coautora do artigo, o hidromel já demonstrou
potencial comercial e funcional nos testes preliminares, mas a produção em
escala industrial requer parcerias com o setor privado. A professora indica que
o kefir de água ainda é pouco estudado e comercializado, o que afeta
diretamente a falta de regulamentação do produto, mas isso não prejudica sua
viabilidade devido à possibilidade de sinergia entre legislações anteriormente
citadas.
A pesquisa destaca o potencial do hidromel probiótico
como uma contribuição inovadora ao mercado de bebidas funcionais e visa a
promovê-lo como uma alternativa saudável e de alta qualidade, alinhada às
demandas de consumidores atentos ao bem-estar, com a possibilidade do uso
recreativo do álcool. O Brasil se destaca como um dos maiores produtores de
mel, o que é visto pelos pesquisadores como outro incentivo para o
desenvolvimento dessa bebida. “Por que não? Quem gosta de tomar um hidromel com
baixo teor alcoólico agora pode ter essa vantagem probiótica”, finaliza Eliana.
Fonte: Jornal
da USP
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