Gazeta da Torre
Pauta prioritária do Congresso neste ano, a discussão da
Reforma Tributária tem movimentado opiniões acerca de alternativas que
conjuguem melhorias para o contribuinte e o setor produtivo. Além de não
ocasionar aumento de impostos e tornar o sistema simplificado, o texto final da
reforma tem o desafio de contemplar aspectos da digitalização da economia e de
uma força de trabalho cada vez mais estabelecida no setor de serviços.
Na análise de especialistas em tributação, realizar uma
reforma ampla, além de historicamente difícil em contextos de crise e
recuperação econômica, esbarra no conflito sobre a arrecadação de impostos
entre União, Estados e municípios. O longo debate em busca de uma nova regra
perfeita acaba postergando um modelo que não representa um entrave econômico. O
Canal UM BRASIL — uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, vem há anos discutindo o tema
por diversos ângulos.
As empresas esperam há décadas uma simplificação do
sistema que reduza a quantidade de horas, de pessoal e de recursos necessários
para se manterem em dia com tantas obrigações da legislação tributária. Do lado
dos investidores, há a expectativa por compromissos evidentes do governo com
regras fiscais e tributárias duradouras e claras, evitando, assim, o excesso de
judicialização.
O possível aumento de impostos preocupa o setor
produtivo. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, por exemplo, pode
acarretar, somente para o setor de serviços, uma alta de até 188%, segundo
cálculos da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)
caso o texto estabeleça um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) federal (unificação
do PIS e da Cofins). Além disso, nove em cada dez empresas brasileiras estão
sob o regime do Simples Nacional, para as quais as PECs 45 e 110 não trariam
nenhuma simplificação adicional (de acordo com o texto atual), mas aumento de
carga, pois não permitiriam a transferência de créditos para quem mantém o recolhimento
unificado.
O volume e a sobreposição de obrigações acessórias é uma
antiga preocupação dos empresários, lembra atributarista Ana Carolina
Monguilod. “É comum uma mesma empresa ter de informar várias vezes as mesmas
coisas a diferentes entes. Os fiscos deveriam abraçar essa missão, porque o que
importa é receber a informação uma vez. O simples fato de haver tantos tributos
também gera muita confusão na hora de as empresas recolherem os próprios
tributos. O ICMS estadual tem legislações diversas em certos Estados, e o PIS e
a Cofins trouxeram uma complexidade sem tamanho para nosso sistema tributário
ao mudar o regime para não cumulativo.”
Discussão recorrente nos tribunais de Justiça, a complexidade
na arrecadação do ICMS e no ISS despende de tempo e recursos do meio
empresarial. Fabio Pina, assessor
econômico da FecomercioSP, salienta que o
ICMS conta com 27 legislações, o que dificulta o dia a dia de quem opera
em mais de um Estado. “O ISS tem mais de 5 mil legislações, são 5 mil
municípios. Claro que ao fazer uma simplificação, 90% estariam aí, mas não é o
proposto”, explica. O tempo de transição também deve ter diretrizes bem
definidas, pois já há a possibilidade de existência de dois sistemas
tributários funcionando ao mesmo tempo, caso a reforma em tramitação no
Congresso avance da maneira que está. “A gente tem de lembrar que não será do
dia para a noite que vai sumir esse sistema [atual] e um novo vai entrar. Vamos
conviver com dois sistemas. É bem complicado”, destaca Pina.
Freios necessários
O Brasil vem aumentando a carga tributária desde a década
de 1990 — avaliada em mais de 33,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022 —,
sem reflexos positivos no crescimento econômico, no superávit fiscal, na queda
da relação da dívida pública sobre o PIB ou melhoria da eficiência estatal. Há
anos, o País enfrenta déficit nas contas públicas sem perspectivas de mudanças
nos métodos orçamentários.
Caso o arcabouço fiscal recém-apresentado pelo governo,
atrelado ao aumento de receitas, seja aprovado sem alterações nos gatilhos de
despesas, há a tendência de alto crescimento do gasto público a partir de 2024.
Na prática, a proposta do governo é que as despesas possam crescer até 70% em
relação às receitas. Em outras palavras, se a arrecadação sobe, por exemplo,
3%, o governo poderá aumentar as despesas reais em 2,1% (70% das receitas), mas
sempre com um crescimento limitado a um aumento entre 0,6% e 2,5% acima da
inflação. Já se a receita crescer 5% em termos reais, em vez de o aumento das
despesas ser de 3,5% (70%), o governo estaria limitado à expansão máxima de
2,5%.
O governo também quer zerar o déficit orçamentário
(diferença entre o que se arrecada e o que se gasta, desconsiderando o pagamento
de juros da dívida pública) até 2024. Para 2023, a meta de déficit é de 0,5% do
PIB, com evolução gradual até um superávit de 1% em 2026. Todos com banda de
0,25 ponto porcentual (p.p.) para cima e para baixo. Quando essa meta
específica não for atingida, o limitador do aumento de gastos passará de 70%
para 50% em relação ao crescimento da arrecadação.
O impacto do arcabouço, no entanto, tende gerar uma
melhora lenta do resultado primário (a diferença entre o que o governo arrecada
e gasta). A conclusão é do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), que analisou como as finanças
públicas evoluirão nos próximos anos condicionadas à nova regra fiscal em
debate no Congresso. Em outras palavras, nem mesmo uma reforma ampla do sistema
tributário teria condições de reduzir a carga diante dos mecanismos de despesa
planejados pelo Executivo.
Despesa alta, muitos impostos
“Na verdade, a nossa carga equivale à de países
desenvolvidos. Não dá para desejarmos um Estado social europeu com todos os
benefícios do mundo sem imposto. Ou temos um Estado mais enxuto e eficiente, e
isso permitiria uma carga menor, ou temos um Estado imenso e cheio de
penduricalhos, o que, necessariamente, vai gerar carga tributária grande”, diz
Ana Carolina Monguilod.
Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal no
governo de Fernando Henrique Cardoso, vai ao cerne da questão: a Reforma
Tributária não resolve todos os nossos problemas. Maciel reforça que a atual
carga é da exata altura da despesa pública. “Se [a despesa pública] for alta, a
carga tributária será alta. Quando alguém pensa em reduzir a carga, olhe para a
despesa. Costumo dizer que quem faz carga tributária não é imposto, é despesa”,
afirma. “Não vejo movimento por reforma. Só vejo dois tipos de movimento: o
imobilista, deixar tudo como está, esperar que daqui a 20 anos alguma
composição do Supremo Tribunal Federal (STF) decida alguma coisa; ou uma
posição que eu chamo de ‘disruptiva’, que é admitir que está tudo errado e
começar do zero”, frisa. Qualquer um dos dois caminhos seria péssimo para o
País.
“O manicômio tributário não se resolve sem a reforma da
máquina pública, que não se trata apenas de uma modernização administrativa,
mas uma rumo à eficiência”, destaca Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do
BNDES e do IBGE. Segundo ele, estaremos “enxugando gelo” em qualquer Reforma
Tributária se tivermos que correr atrás de despesas que se aceleram e se
expandem acima do PIB — e a despesa pública, hoje, não cabe no PIB.
Fonte: UM Brasil
- divulgação -
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