Gazeta da Torre
Especialistas comentam que a questão tem sido tratada de
forma inadequada nas últimas décadas no Brasil
Em 2021, o agronegócio brasileiro exportou US$ 120,59
bilhões, responsabilizando-se por nada menos do que 40,6% das vendas externas
do País. Mais um resultado que consolidou a imagem do Brasil como potencial
celeiro do mundo. Neste início de 2022, contudo, o agronegócio, um dos
alicerces do nosso PIB, deparou-se com um obstáculo imprevisto, a guerra entre
a Rússia e a Ucrânia, que está desorganizando inúmeras cadeias de
comercialização globais, especialmente a de fertilizantes, da qual a
agricultura brasileira é excessivamente dependente.
Em uma de suas edições recentes, a revista Exame traçou o
seguinte quadro: “O Brasil hoje importa 85% dos fertilizantes que consome para
a sua agricultura. No ano passado, o País consumiu 43 milhões de toneladas de
fertilizantes. As três principais cadeias – soja, milho e cana-de-açúcar –
consumiram 73%. O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo,
atrás dos Estados Unidos, da Índia e da China, e nós consumimos algo em torno
de 8,5% a 9% de todo o produto no mundo. Só que esses outros três países são
grandes produtores de fertilizantes, e o Brasil não".
O obstáculo imprevisto faz com que o governo brasileiro
corra atrás de alternativas que supram, a curto prazo, os fertilizantes
tradicionalmente fornecidos pela Rússia e Belarus, mas também coloca duas
questões: por que o Brasil se tornou tão dependente da importação de insumos
para a sua produção agrícola, a coluna de sustentação de sua pauta de
exportações; quais as possibilidades de modificação desse quadro de dependência
de importações, a médio e longo prazos?
O Jornal da USP discutiu esse tema com especialistas
da USP (https://jornal.usp.br/atualidades/o-brasil-tem-capacidade-de-ser-autossuficiente-na-producao-de-fertilizantes/): Ildo Sauer, professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), Paulo
Sérgio Pavinato, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), e
Mauro Osaki, pesquisador da área de custos agrícolas do Centro de Estudos
Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq da USP, que concedeu entrevista
para o programa Desafios. Aqui, seguem dois dos especialistas.
Ildo Sauer
Professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP
“A questão dos fertilizantes tem sido tratada de forma
inadequada nas últimas décadas no Brasil. Basicamente trata-se de demanda de
macronutrientes como fósforo, potássio e nitrogenados, mesanutrientes como
enxofre, magnésio e cálcio, e micronutrientes como boro, zinco, bismuto,
cobalto e outras coisas mais. O Brasil tem importado entre 75% e 85% dos
fertilizantes. É preciso tratar separadamente os três macronutrientes.
Primeiro, nitrogenados.”
“Uma parte relevante dos nitrogenados amônia e ureia era
produzida pela Petrobras na Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen) de
Sergipe e Bahia, usando gás natural, e por uma outra fábrica de fertilizantes,
em Araucária, no Paraná, que usava um outro processo com resíduos de refinaria.
As três foram fechadas há alguns anos pela decisão de olhar em um curto prazo a
rentabilidade. De fato, não fazia muito sentido importar gás natural (…),
reagaseifica-lo para depois convertê-lo em amônia e ureia, quando seria mais
barato importar o gás via GNL, importar amônia diretamente.”
“Porém, agora que nós descobrimos os recursos do pré-sal,
há uma grande quantidade de gás disponível, não faz mais sentido que não se tivesse
já criado um plano estratégico para produzir fertilizantes nitrogenados a
partir das imensas quantidades de gás natural disponíveis no pré-sal.”
“Então, os nitrogenados já poderiam ter sido resolvidos.
Já em relação ao fósforo e ao potássio, a situação é um pouco mais grave
porque, apesar de se ter notícias que existem esses recursos no Brasil, nenhum
projeto concreto tem sido desenvolvido em escala necessária. Porque também não
foram desenvolvidos os estudos […] geológicos para descobrir mais recursos,
fazer o seu estudo de viabilidade econômica para convertê-los em reservas e aí
passar a produzir os fertilizantes aqui no Brasil.”
“O que falta é organizar essa indústria. Há soluções
possíveis para melhorar reduzindo os custos, aumentando a produtividade,
gerando mais empregos e ajudando o ambiente do Brasil. É necessário
urgentemente revisar as políticas públicas, integrar esses vários setores à
indústria dos resíduos, a indústria do saneamento com a indústria energética,
com a indústria elétrica, a indústria do gás e com a indústria de fertilizantes
do sistema agrícola. É possível recuperar biofertilizantes e energia dos
resíduos orgânicos, originados da cadeia alimentar e das podas de vegetação de
áreas ajardinadas urbanas. É um desafio fazer isso, mas é possível e nós
estamos dando uma modesta contribuição com nossas pesquisas aqui no Instituto
de Energia e Ambiente.”
Paulo Sérgio Pavinato
Professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz
“Nós não temos reservas de fosfato suficiente para suprir
a demanda em uma grande escala e também não temos reserva potássica para suprir
a demanda do Brasil em uma grande escala. Então há possibilidade de produzirmos
mais fertilizantes, mas num longo prazo e com investimentos altos
principalmente da indústria de fertilizantes e governamental.“
“Há possibilidade sim, de expansão, mas não em curto
prazo. Imagina-se aí que, com investimentos pesados dentro de 6 a 8 anos, o
Brasil poderia ser quase que autossuficiente em produção de nitrogenados,
produzir quase todo o fosfatado e produzir uma boa parte do potássio que
demanda, mas, pelas projeções e pela política que temos no Brasil, a possibilidade
de isso ocorrer é pequena.”
“Há necessidade política governamental para que isso
ocorra e também negociações com as empresas das grandes commodities das grandes
empresas internacionais que estão atuando no mercado de fertilizantes no Brasil.”
“Acreditamos que vamos continuar dependentes externos
ainda de fertilizantes por um bom tempo, e o mercado que se caracteriza agora,
nessa situação atual, está bem complicado né, nós tendemos a ter um aumento no
preço dos fertilizantes porque não vai haver oferta no mercado.”
Fonte: Jornal
da USP
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