Poluição no meio ambiente cosseleciona bactérias
resistentes a arsênio e antibióticos em ostras comestíveis coletadas em
mercados brasileiros, sinalizando urgência de atualizar controle
Uma pesquisa investigou a ocorrência e o genoma de
enterobactérias – classificadas como críticas pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) por seu perfil de resistência a antibióticos. A análise foi feita em 108
ostras frescas comestíveis de mercados de São Paulo. A cosseleção identificada
entre resistência antimicrobiana e a bioacumulação de arsênio mostrou que o
metal pesado filtrado pelas bivalves (animais que possuem duas conchas) junto
aos resíduos antimicrobianos podem ter origem na poluição ambiental. Por isso,
a microbiota se torna tolerante aos dois: medicamento e arsênio.
Prova disso é a identificação, pela primeira vez, da
bactéria Citrobacter telavivensis em alimento nas amostras coletadas em
mercados brasileiros. Registrada inicialmente em 2010 em um hospital de Israel,
o estudo atual confirma a atual contaminação do meio ambiente. O trabalho tem autoria de pesquisadores do
Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP em parceria com o Instituto
Pesca, entre outras instituições.
No estudo, a produção de CTX-M-15, enzima relacionada à
resistência bacteriana em frutos do mar por C. telavivensis também foi relatada
pela primeira vez. Além disso, as concentrações totais de arsênio nas ostras
analisadas variaram de 0,44 a 1,95 mg/kg. A Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) estabelece limite máximo de 1 mg/kg. Outros metais foram
identificados, mas não passaram dos limites máximos. Apesar dos achados em
ostras coletadas em cinco mercados de São Paulo e Santa Catarina, os animais
analisados não são rastreáveis para identificar a origem da contaminação.
“Se uma bactéria é resistente aos antibióticos e metais
pesados, essa bactéria possui o plasmídeo [material genético] com essas
resistências. Ela vai sobreviver em um ambiente poluído com metais e
antibióticos”, explica Felipe Vásquez Ponce, primeiro autor do artigo e doutor
pelo ICB. Plasmídeos são uma parte extra do material genético de bactérias que
são compartilhados entre elas e adquiridos ao longo de suas vidas, ou após a
reprodução pela célula-mãe. Essa dupla resistência pode dificultar mais
tratamentos de infecções por essas devido à toxicidade do metal presente no
alimento.
As amostras coletadas foram removidas assepticamente e
processadas para isolamento e identificação de enterobactérias resistentes a
carbapenêmicos e/ou cefalosporinas de terceira geração, potentes antibióticos.
A tolerância a metais pesados foi avaliada por ensaios de microdiluição, e a
quantificação de arsênio, mercúrio, cobre, cobalto, prata e chumbo foi
realizada por técnicas avançadas de química analítica. As enterobactérias foram
sequenciadas e sua virulência foi avaliada por meio de modelos de infecção em
cultura de células, complementados por análises estatísticas realizadas com Python
(linguagem de programação).
Monitoramento escasso
Ao viverem fixas e se alimentarem por filtração, ostras
acabam refletindo a qualidade da água onde se desenvolvem — elas inclusive
retêm microrganismos em sua microbiota que escapam de esgotos domésticos e
hospitalares. Esses animais mostram, em tempo real, como está o ambiente. Por
conta desse achado do Citrobacter super-resistente nas ostras, “é fundamental
que haja um maior monitoramento ambiental. Monitoramento não só do arsênio e
metais, mas principalmente das bactérias resistentes. Não só das ostras, mas
também dos pescados”, afirma Edison Barbieri, pesquisador do Instituto Pesca e
coautor do trabalho.
O estudo revela que o acúmulo de contaminantes, arsênio e
resíduos de fármacos no ambiente seleciona bactérias adaptadas a sobreviver em
ambientes adversos. Apesar disso, ainda faltam pesquisas para avaliar a
colonização bacteriana em humanos – por isso o monitoramento é tão importante.
“O quão grande é esse risco é impossível dizer, porque não monitoramos e não
temos dados temporais”, lamenta Barbieri ao explicar sobre a falta de recursos
investidos. A fragilidade do monitoramento de superbactérias no Brasil é
grande, quadro agravado em se tratando do ambiente marítimo, conforme o
pesquisador.
O fato desses alimentos serem consumidos in natura e sem
o cozimento aumenta a possibilidade de contaminação. O risco destacado pelo
pesquisador é maior nas pessoas que são imunocomprometidas, idosos e crianças.
Para o especialista, o primeiro passo para fomentar o monitoramento é saber a
situação atual em todo o País, onde se consome o animal, onde se produz, e a
situação das bactérias resistentes no ambiente. Quando uma pessoa infectada
chega ao hospital é muito difícil saber se isso ocorreu pelo consumo de alguma
coisa, pelo contato com um familiar ou por um animal de estimação, como um
cachorro, o que reforça o ponto de Barbieri.
Fonte: Jornal
da USP
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