quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

A interessante Barbearia Real da Torre: retrato de um certo modo de vida masculino de cada cliente que reside ou frequenta nosso bairro


Gazeta da Torre

A preocupação com a estética remonta à Grécia Antiga. Diz a história que Apolo (Deus da Música) e Ares (Deus da Guerra) foram os precursores. Foi assim que surgiram os salões de beleza exclusivos para a ala masculina e a profissão de barbeiro. À época, o corte de barbas e bigode era feito com a ponta de lança. Os homens ostentavam  cabelos compridos, muitas vezes falsos, segundo historiadores. Os barbeiros completavam os penteados com falsos cabelos.

A Grécia importou, da Macedônia, o costume de raspar a barba. A barbearia chegou à Roma em 296 a.C e logo se tornou popular. Naquele tempo, a primeira barba feita de um jovem era considerada um ritual de passagem. Nas antigas culturas, quem pegasse na barba ou cabelo de um homem era severamente punido, sinônimo de atentado à honra.

Historicamente, as barbearias sempre foram consideradas um lugar de encontros sociais. A partir do século XIX surgiu a figura feminina nos salões de barbeiros, tanto no exercício da profissão, quanto na clientela. O auge das barbearias no Brasil ocorreu na década de 40, ocasião em que a barbearia se resumia a um espaço contendo uma cadeira, da Ferrante, feita de ferro fundido, bacia com água, pincel, loção, espuma, talco, tesoura e navalha. O profissional barbeiro era o sujeito da ação.

Já em meados de 1992, o bairro da Torre recebeu França Abdias, barbeiro, vindo da cidade de Nazaré da Mata e sobrevivente do auge das barbearias. A Barbearia Real, como foi batizada, fica na Rua Real da Torre, 1069-A, próximo à Papelaria Boa Vista. “Na época, vi Recife como um lugar para se ganhar dinheiro e criar minha família”, argumenta França. E que família. O barbeiro é pai de um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove filhos. Não é à toa que a barbearia sempre funcionou todos os dias, inclusive aos sábados e domingos.

França e sua cadeira da Ferrante
França aprendeu sua profissão, ainda adolescente, com seu pai Abdias Francelino, que possuía uma barbearia em Nazaré da Mata. Alguns anos depois de sua maioridade, partiu para Recife em busca de novos horizontes.

Ainda hoje, a Barbearia Real segue o perfil das tradicionais barbearias. Talco, navalha, loção e até a cadeira da Ferrante.

Na barbearia de França o atendimento é voltado exclusivamente para homens. “Nunca quis cortar cabelo de mulher. É complicado. Mulher é muito exigente e gasta muito tempo. Tem que fazer curso. Não quero mais preocupação na minha cabeça, já basta minha mulher”, explica ele.

Em sua barbearia o atendimento vai de crianças a idosos. Na sua longa estrada de atendimentos, situações engraçadas é que não faltam. Como conta França: “Certo dia, quando eu estava cortando o cabelo de um cliente, ele começou a virar os olhos. Parei de cortar, olhei para os olhos dele e gritei para os clientes que aguardavam a vez: - “Esse cara vai morrer, me ajudem! Trouxeram água e, aos poucos, ele foi tornando. Quase morri de susto. Já pensou, uma pessoa morrer em plena cadeira da minha barbearia”.

Pelos seus relatos, a diversidade de acontecimentos e também de seus clientes é bastante representativa. Por sua clientela, cruzam homens depressivos, curiosos, autoritários, machistas, traídos, sofridos, felizes, tristes e até com cabelos implantados. Velha e nova geração se misturam em um único espaço onde o passado aconselha o presente.

Mais do que um lugar para cortar o cabelo e aparar a barba, a Barbearia Real é o retrato de um certo modo de vida masculino de cada cliente que reside ou frequenta nossos bairros da Torre e da Madalena. Onde o cliente confidencia segredos, medos e sonhos ao barbeiro. Na barbearia, o diálogo que se estabelece coloca em contato distintas experiências sociais e individuais, antigas e contemporâneas, sobre uma simples cadeira Ferrante. No mundo em que atualmente vivemos, no qual a comunicação pessoal é cada vez aniquilada pela virtual, isso não tem preço.

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