Gazeta da Torre
O casamento infantil ainda é uma realidade comum em
diversos países, inclusive no Brasil, onde a prática é permitida pela Lei
13.811, que estabeleceu a idade mínima legal para o matrimônio em 16 anos, com
autorização dos pais do adolescente. Um levantamento da Associação Nacional dos
Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) apontou que, em 2023, foram
realizados no País mais de 2 mil casamentos envolvendo menores.
Os números colocam o Brasil na sexta posição no ranking
de países com maior número de casamentos infantis, de acordo com a ONG Girls
not Brides, com 2,2 milhões de meninas menores de idade casadas ou em união
estável, o que representa aproximadamente 36% da população feminina brasileira
abaixo dos 18 anos. Os cinco países na frente do Brasil no ranking são Índia,
Bangladesh, China, Indonésia e Nigéria.
Segundo o juiz titular da Segunda Vara Criminal da
Infância e da Juventude de São Carlos e professor da Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto (FDRP) da USP, Cláudio do Prado Amaral, “o fenômeno do casamento
infantil acontece em todo o globo, mas obviamente com menor incidência em
países ricos, porque a base desse fenômeno são situações socioeconômicas”. O
professor diz ainda que “não existe um fator determinante” para o casamento
infantil, pois é produto de um complexo de fatores. “O casamento infantil é um
fenômeno complexo que parte da extrema pobreza, da desigualdade e da violência
de gênero.”
Outro ponto destacado por Amaral é que o casamento
infantil faz com que as adolescentes, principais vítimas desse tipo de união,
percam vínculos familiares e comunitários. “Quando uma adolescente se une
maritalmente a um maior de 18 anos, uma série de vínculos comunitários que ela
tinha até então ficam em segundo plano”, diz o professor, e continua: “o
direito à convivência comunitária é indissociável da convivência familiar.
Vínculos com amigas, primas, parentes mais ou menos próximos e a própria escola
ficam em segundo plano”.
Formação
O professor destaca, ainda, que “quando falamos de
adolescentes, nós estamos falando de pessoas ainda em formação”. Ele diz também
que “quando falamos em desenvolvimento humano, não nos referimos apenas ao
desenvolvimento físico, estrutural e morfológico. Nos referimos principalmente
ao fato dos adolescentes ainda não terem formado completamente o córtex pré-frontal,
que desempenha um papel importante no controle das emoções e do comportamento,
o que explica as reações por vezes impulsivas, pouco pensadas e pouco
refletidas dos adolescentes”.
Por conta do processo de formação dos jovens, o docente
afirma que a autorização do casamento pelos pais deve ser algo bastante
pensado. “Como os jovens ainda são muito guiados pelo sistema límbico, que é o
conjunto de estruturas cerebrais que processa as emoções, e pouco pelo sistema
do córtex pré-frontal, eles têm dificuldades de adequação comportamental e
social. Por isso, o papel dos pais em autorizar o casamento deve ser algo bem
refletido, ponderado e, eu diria, até estudado com o apoio de profissionais.”
Amaral diz também que o casamento “não se trata de algo banal, pelo contrário,
é uma decisão grave que implica para o restante da vida dessa jovem”.
Crime
Apesar da idade mínima permitida para o casamento no
Brasil ser de 16 anos e qualquer união realizada antes disso ser
desconsiderada, o relacionamento de adultos a partir de 18 anos com crianças e
adolescentes existe, e é um crime. “A maior preocupação que eu verifico é que a
união com crianças menores de 14 anos acontece”, garante o professor. Amaral
também relembra que “toda relação sexual, mesmo que consentida, entre um maior
de 18 anos e uma menor de 14 anos é um crime chamado estupro de vulnerável”.
A pena para quem pratica o estupro de vulnerável, ou
seja, para o adulto que mantenha relações com uma adolescente menor de 14 anos,
mesmo que consentida, é de oito a 15 anos de reclusão, no entanto a pena pode
ser aumentada em casos de lesão corporal grave, passando a ser de 10 a 20 anos
e, no caso de morte da vítima, de 12 a 30 anos.
Fonte:Jornal da USP
- divulgação -
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